Correio Braziliense
Brasil - Televisão
ARTIGO »
Chico Neto
Publicação: 30/09/2012
Triste setembro, este mês que, em seu penúltimo dia, amanheceu tornando órfã a televisão brasileira com a morte de Hebe Camargo. Se dependesse de sua vontade, a apresentadora ficaria mais tempo, conforme delarou na última vez em teve alta do hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde se tratava do câncer que a levou: “Se vocês achavam que eu ia embora, enganei vocês”. O que Hebe deixa para trás, além de um rastro de saudade, é uma lacuna difícil de preencher na telinha.
Quem mais, afinal, com tanta propriedade, pode ser personagem de si próprio como ela foi? Depois da morte de Dercy Gonçalves, ficou com Hebe Camargo esse bastão. Guardadas as proporções, Hebe, assim como Dercy, era aquela que podia dizer verdades constrangedoras, algumas capazes de comprometer até o departamento comercial da empresa em que trabalhava, pelo simples e suficiente fato de ser quem era.
“Minha vida sem a gargalhada da Hebe sempre por perto não vai ter graça”, postou, no Twitter, Rita Lee, uma das grandes amigas da apresentadora mais conhecida da tevê nacional. O sentimento deve ser o mesmo para os telespectadores. Na telinha desde a primeira transmissão oficial da tevê brasileira, ela se tornou, ao longo de tanto tempo, figura presente no cotidiano de milhões de famílias. Não por acaso, a jornalista Maria do Rosário Caetano sempre se referiu à apresentadora como “a rainha do sofá”.
Seja na Rede TV!, onde trabalhou nos últimos dois anos, ou no SBT, emissora para a qual havia acertado seu retorno, Hebe Camargo já faz falta no panorama do nem sempre bem servido telespectador da televisão aberta. Principalmente em ano eleitoral, já que a apresentadora nunca economizou comentários dirigidos a políticos cuja atuação, de alguma forma, não contribuía para o bem-estar do povo ou, em outros casos, visivelmente prejudicava o cidadão brasileiro.
Hebe não tinha papas na língua. Fez coro à nação criticando a equivocada posição de Severino Cavalcanti como presidente da Câmara dos Deputados, manifestando indignação com a impunidade de Jorgina de Freitas — autora da maior fraude à Previdência Social já registrada no país —, posicionando-se, enfim, como cidadã pagadora de impostos que não retornam em qualidade de vida.
Também botou a boca no trombone quando Guilherme de Pádua, assassino de Daniella Perez, filha da autora de novelas Glória Perez, cumpriu um terço da pena, virou evangélico e ganhou a liberdade. “Eu quero mandar um recado para ele diante de todo o Brasil: seu assassino!”, esbravejou, em seu programa. Questionava, como muitos de nós, mortais comuns, determinadas decisões da justiça brasileira. A diferença é que, sendo figura pública, seus posicionamentos tinham raio de alcance maior. Abraçou causas delicadas: chegou a participar de uma passeata pedindo mais rigor para infrações cometidas por menores de idade.
Para uma grande parcela de telespectadores, Hebe Camargo foi esse elo esclarecedor de que nem tudo é festa no país tropical. Vai fazer muita falta — o que, paradoxalmente, significa que marca forte presença entre nós. Dá até vontade de parafraseá-la, no elogio que, ao deixar o Albert Einstein em agosto, fez ao médico Antonio Luiz de Vasconcellos: “Essa criatura vai ter que colocar um par de asas”. Licença, Hebe. As asas são suas. Tomara que sua memória sobrevoe por muito tempo esse lado de cá. Que pena que 29 de setembro não foi dia 1º de abril.