Editoriais - Folha de São Paulo
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    O Brasil carrega em seu DNA institucional várias pequenas heranças de origem fascista. Elas incluem a força despropositada das corporações profissionais, a estrutura sindical baseada em contratos coletivos de trabalho e contribuições compulsórias.
     
    Nenhuma, porém, se iguala ao programa radiofônico "A Voz do Brasil", que todas as emissoras do país estão obrigadas a transmitir, de segunda a sexta-feira, sempre às 19h, ritual decrépito que se repete com poucas interrupções desde 22 de julho de 1935.
     
    A iniciativa se inspira em ideologia das mais totalitárias. O indivíduo não existiria fora do Estado, única instituição capaz de oferecer-lhe os valores de que necessita. O núcleo do poder político se encarregaria de produzir diariamente noticiário de uma hora, com difusão obrigatória. O cidadão até poderia desligar o rádio, mas, se quisesse ouvir algo, não poderia fugir do oficialismo edificante.
     
    A cartilha fascista se reproduz até na divisão do programa, que é meticulosamente repartido entre os Poderes da República: o Executivo tem 25 minutos; o Judiciário, cinco; senadores dispõem de dez minutos; deputados federais contam com 20.
     
    Num detalhe que resume a essência do corporativismo mussoliniano -o Estado pode resolver todos os conflitos integrando diferentes grupos num modelo colaborativo-, às quartas-feiras o Tribunal de Contas da União ganha o seu minuto, cedido às vezes pelo Executivo, às vezes pela Câmara.
     
    É incrível que um arcaísmo dessa magnitude sobreviva em pleno século 21. Além de negar a liberdade de escolha a milhões de cidadãos brasileiros, "A Voz do Brasil" presta um desserviço público, ao monopolizar as ondas de rádio no exato momento em que elas são uma valiosa fonte de informações para o cidadão -por exemplo, sobre o trânsito que assola tantas cidades do país.
     
    É, portanto, uma boa notícia a de que a Câmara deverá colocar em votação um projeto de lei que flexibiliza os horários de exibição de "A Voz do Brasil". Melhor ainda seria se o Congresso acabasse de vez com a obrigatoriedade e, por que não, com o próprio programa, que custa caro aos cofres públicos.
     
    Mas isso talvez seja pedir demais dos parlamentares, que se contam entre as pouquíssimas pessoas beneficiadas por esse resquício dos tempos de Getúlio Vargas.

    O Globo
    Opinião - Imprensa

    Carlos Alberto Di Franco

    Em palestra de encerramento do Seminário Internacional de Liberdade de Expressão, dia 4, em São Paulo, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Carlos Ayres Britto, fez uma vibrante defesa da liberdade de imprensa e de expressão.

    Nos dois dias do seminário, promovido pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS), especialistas avaliaram que, embora o Supremo venha decidindo em favor do livre exercício do jornalismo, juízes de primeiro e segundo graus por vezes restringem a liberdade de expressão.

    Ayres Britto foi contundente. Seu discurso não deixou margem para interpretações ambíguas. “Onde for possível a censura prévia se esgueirar, se manifestar, mesmo que procedente do Poder Judiciário, não há plenitude de liberdade de imprensa”. Para o presidente do STF, o confronto de interesses entre o livre exercício do jornalismo e o direito à privacidade “inevitavelmente” se confrontarão. Ele garante, porém, que a Constituição prioriza a livre expressão ao direito à privacidade. “A liberdade de imprensa ocupa, na Constituição, este pedestal de irmã siamesa da democracia”.

    O interesse público está acima do interesse privado. O direito à informação, pré-requisito da democracia, reclama o dever de informar. E os meios de comunicação demandam liberdade e independência para cumprir o seu dever de informar. A privacidade dos homens públicos é relativa. O cargo público traz consigo a incontornável necessidade de transparência. “O poder”, dizia Ruy Barbosa no seu belíssimo texto A Imprensa e o dever da verdade, “não é um antro: é um tablado. A autoridade não é uma capa, mas um farol. Queiram, ou não queiram, os que se consagraram à vida pública, até à sua vida particular deram paredes de vidro.” Clareza absoluta. É o mínimo que se deve exigir dos homens públicos.

    Em uma tentativa de reduzir o número de decisões judiciais que, na contramão do pensamento da Corte Suprema, resultam em censura ou punição de jornalistas, Ayres Britto pretende usar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – que também preside – para informar o resto do Judiciário sobre a posição do STF acerca da liberdade de expressão. “Eu pretendo, junto com os conselheiros do CNJ, desenvolver programas, quem sabe até campanhas, esclarecendo o conteúdo da decisão do Supremo (que derrubou a Lei de Imprensa, em 2009), que foi pela plenitude da liberdade de imprensa”.

    Em contraste com o discurso do ministro Ayres Britto, a imprensa registrou recentes declarações do presidente nacional do PT, Rui Falcão. Segundo ele, o governo poderá colocar em discussão o marco regulatório da comunicação. “O governo da presidente Dilma Rousseff se prepara agora para um grande desafio que iremos nos deparar na campanha eleitoral, que é a apresentação para consulta pública do marco regulatório da comunicação”, disse o dirigente petista durante encontro em Embu das Artes, na Grande São Paulo, para discutir estratégias eleitorais do partido.

    O PT, curiosamente, deletou as reiteradas declarações de Dilma em favor da liberdade de imprensa. Na celebração dos 90 anos da Folha de S.Paulo, a presidente Dilma Rousseff, armada de um texto sem ambiguidades, deixou bem claro seu ponto de vista.

    “Uma imprensa livre, pluralista e investigativa é imprescindível para um país como o nosso (…) Devemos preferir o som das vozes críticas da imprensa livre ao silêncio das ditaduras”, disse a presidente da República no evento comemorativo de um importante jornal. Essas mesmas palavras ela já havia dito quando, recém-eleita, pronunciou seu primeiro discurso.

    Não defendo, por óbvio, uma imprensa irresponsável. Afinal, tenho martelado, teimosa e reiteradamente, que a responsabilidade é a outra face da liberdade. Não sou contra os legítimos instrumentos que coíbam os abusos da mídia. Mas eles já existem e estão previstos na Constituição e na legislação vigente, sem necessidades de novas intervenções do Estado.

    A presidente Dilma captou o recado da cidadania. E o Supremo Tribunal Federal assumiu o papel de avalista da liberdade de imprensa e de expressão.

    Carlos Alberto Di Franco, diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciência Sociais IICS (www.iics.edu.br) e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com). E-mail Este endereço de e-mail está sendo protegido de spambots. Você precisa habilitar o JavaScript para visualizá-lo.

    Correio Braziliense
    Opinião - Imprensa

    PLÁCIDO FERNANDES VIEIRA
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    Publicação: 04/05/2012 04:00

    No dia dedicado pela ONU à liberdade de imprensa no mundo, a blogueira cubana Yoani Sánchez lembrava no Twitter que em seu país não existe imprensa (a não ser estatal) e muito menos liberdade de expressão. Referência internacional na luta que trava para livrar Cuba da tirania, Yoani dizia que todos os seus problemas com o Estado totalitário se iniciaram quando começou a usar a internet, mais precisamente as redes sociais, para expressar suas ideias como cidadã cubana e chamar a atenção do mundo para a implacável ditadura dos Castros.

    No mundo inteiro, as redes sociais, à frente o Twitter, são usadas como ferramentas para que as pessoas se informem sobre o que acontece, se mobilizem e expressem livremente suas opiniões. Um espaço de que não dispunham na mídia tradicional. Os movimentos que se insurgiram contra tiranos no Oriente Médio se valeram desse instrumento virtual para disseminar informações que a população não encontraria na imprensa controlada pelas ditaduras da região.

    No Brasil, o cidadão comum que se informa nas redes sociais deve estar desorientado com o oceano de lama em que se transformou o caso Cachoeira. Isso porque exércitos de tuiteiros, blogs e sites de aluguel tomaram de assalto o ciberespaço. São, principalmente, grupos de direita arregimentados por quadrilhas de %u201Cesquerda%u201D que atuam para plantar notícias, desqualificar o trabalho da mídia convencional (grandes jornais e emissoras de TV) e pregar o %u201Ccontrole social da mídia%u201D %u2014 ou, como dizem quase babando, %u201Cla ley de los médios%u201D %u2014, o que nada mais é do que a imposição de uma mordaça nos jornalistas não subservientes ao governo de plantão. Hoje, o de Dilma. Amanhã, como é comum a essa gente, qualquer outro governo.

    Hoje, um dos pontos cruciais dos mercenários é acusar jornalistas que recebem informações de fontes sujas, para denunciar maracutaias de agentes públicos e privados, de atuar em conluio com os criminosos. Na versão dos mercenários virtuais, essas informações só seriam válidas se o informante tivesse a credibilidade de uma Madre Tereza de Calcutá. O problema é que esse tipo de denúncia, que levou Dilma a demitir sete ministros, nunca é feita por gente honesta. Simplesmente porque gente honesta não se envolve com gângsteres, a menos que seja usado sem saber. Jornalistas, sim. Porque jornalista de verdade vive atrás de informações de interesse público, que só acabam publicadas após confirmadas por outras fontes confiáveis. Essas informações, na maioria das vezes, jamais viriam à tona se dependessem de uma denúncia da Madre Tereza. Até as pedras sabem disso.

    O Globo
    O País - Imprensa

    MERVAL PEREIRA

    Não foi por acaso que seis organizações representativas da imprensa privada em países da América do Sul soltaram uma nota denunciando ataques à liberdade de expressão no Dia Internacional da Liberdade de Imprensa. A situação atual na região mostra o paradoxo de governos democráticos criarem obstáculos à liberdade de expressão.

    Dissemina-se pela região um movimento de contenção da liberdade de imprensa em diversos países onde TVs, rádios e jornais vão sendo fechados sob os mais variados pretextos, e muitos outros são ameaçados com diversas formas de pressão, seja financeira, seja através de medidas judiciais.

    A nota das entidades ressalta essa questão financeira como parte de movimento coordenado de criação de um mecanismo “de prêmio e castigo”, que gera a criação em diversos países de uma imprensa “oficial e paraoficial” financiada pelos governos para deslegitimar as visões críticas e criar uma “cultura da intolerância” em relação aos órgãos de imprensa independentes.

    Uma prática principalmente em vigor no Brasil e na Argentina, onde os governos montaram um aparato midiático financiado pelo dinheiro público. Os representantes dos seis países — Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Equador e Peru — preferiram não especificar as denúncias, tratando o assunto como uma questão regional, o que de certa forma dá uma dimensão mais grave aos problemas enfrentados, dando-lhes o caráter de uma orquestração política.

    O amadurecimento democrático no Brasil nos torna uma exceção em um continente cada vez mais dominado por governos autoritários ou simples ditaduras.

    As ações recentes do governo da Argentina contra o grupo jornalístico Clarín, o maior do país, cuja fábrica de papel foi expropriada pelo governo como de interesse público, citadas na nota, fazem parte de uma já longa disputa pelo controle da informação pelo governo de Cristina Kirchner, prosseguindo o projeto que foi iniciado no governo de seu falecido marido, Nestor Kirchner.

    Uma tentativa de cercear a liberdade de imprensa que é jogada em todos os níveis, empresariais e jornalísticos. Outro caso exemplar é o do Equador, onde os diretores do jornal “El Universo” e o jornalista e ex-editorialista Emilio Palacio foram condenados por um tribunal a pagar nada menos que US$ 40 milhões por supostos danos morais ao presidente do Equador, Rafael Correa.

    O absurdo do valor da pena demonstra uma intenção de desencorajar novos artigos críticos. A Organização dos Estados Americanos (OEA) exigiu que o presidente equatoriano voltasse atrás no processo, e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos emitiu medidas cautelares para impedir a execução da sentença contra o jornal “a fim de garantir a liberdade de expressão”.

    Pressionado pela péssima repercussão internacional, o presidente Correa anunciou seu perdão, acusando no entanto a existência de uma “ditadura” dos meios de comunicação. No Brasil, coube à presidente Dilma Rousseff baixar a temperatura desse debate ao não encampar o chamado “controle social da mídia”, que era proposto como uma política oficial de governo na gestão de Lula.

    Mas, mesmo assim, ainda enfrentamos ameaça à liberdade de expressão, que se configura de diversas maneiras.

    No momento, ela se revela na tentativa, frustrada de início, de levar a grande imprensa representada pela revista “Veja” à investigação na CPI do Cachoeira.

    Os documentos surgidos até o momento, no entanto, nada revelam de transgressor no comportamento de seus profissionais, e todas as pseudoacusações se baseiam mais em ilações tiradas de versões do bicheiro e de seus asseclas do que em fatos comprovados.

    Essa foi apenas, porém, mais uma das muitas tentativas desse mesmo grupo político de cercear a liberdade de expressão no país, tarefa a que se dedicam com afinco seus componentes desde que chegaram ao poder.

    No início do governo Lula, propôs-se a criação de várias agências oficiais, como a de Cinema e Audiovisual, que daria condições ao governo de interferir na programação da televisão e tentar direcionar o financiamento de filmes e toda a produção cultural para temas em sintonia com as metas sociais do governo.

    O Conselho Nacional de Jornalismo, com o objetivo de controlar o exercício da profissão, teria poderes para punir, até mesmo com a cassação do registro profissional, os jornalistas que infringissem normas de conduta que seriam definidas pelo próprio conselho.

    A nota oficial dos jornais independentes se refere ao “assédio judicial e administrativo” como ferramenta para limitar a livre circulação de informações na região. É o que também acontece no Brasil.

    Sob o pretexto de exercer um controle social sobre os meios de comunicação, vários estados já aprovaram a criação de conselhos para acompanhar os meios de comunicação, e a executiva do Partido dos Trabalhadores decidiu que uma das prioridades do partido é o que chamade “democratização da comunicação”.

    Há também uma legislação retrógrada que permite a censura prévia e uma prática cada vez mais perversa de pressionar financeiramente os meios de comunicação com processos, sob os mais variados pretextos.

    A impunidade característica dos sistemas judiciais desses países, em especial o Brasil e o México, faz também com que aumentem as ações violentas contra jornais e jornalistas na região, tendo ocorrido nada menos que 29 mortes no ano de 2011. O importante dessa nota é que todos esses países têm em comum, com exceção do Brasil, uma ação permanente do Estado para subjugar os demais poderes.

    A força de seus Executivos é tamanha que se aproxima de uma ditadura, podendo ser classificada de um hiperpresidencialismo, onde todos os poderes estão subjugados ao presidente da República.

    A diferença para a ditadura, segundo os estudiosos, é justamente a existência de uma imprensa livre, o que nesses países está cada vez mais a perigo.

    No Brasil, mesmo com o Executivo tendo muita força, o governo tem uma maioria esmagadora no Congresso, e o PT já nomeou oito dos 11 ministros do Supremo — não houve até o momento nenhum avanço antidemocrático para controlar o Judiciário nem o Legislativo, embora o escândalo do mensalão seja um ponto fora da curva nesse respeito à democracia, e por isso tão grave.

    O Estado de S.Paulo
    Opinião - Imprensa

    Por que matar jornalistas?

    Eugênio Bucci - O Estado de S.Paulo

    Dia 23 de abril, uma segunda-feira, às 23h30, mais um jornalista foi assassinado no Brasil. Décio Sá morreu com seis tiros num bar na cidade de São Luís. Tinha 42 anos e era repórter de O Estado do Maranhão. Foi o quarto profissional de imprensa assassinado no País em 2012, o que eleva o Brasil ao topo de um ranking macabro na América Latina.

    Dois suspeitos de serem cúmplices do assassinato de Décio Sá estão presos, mas a impunidade não está afastada. Ao contrário. O histórico das investigações policiais não é positivo em geral. Quando o assunto é homicídio de jornalistas, é francamente negativo. Segundo um levantamento recente - que não leva em conta os casos de 2012 -, nos últimos 20 anos 70% desses assassinatos não foram esclarecidos. Contra a imprensa, o crime compensa. Traficantes de drogas, chefes de milícias e autoridades corruptas se revezam na lista de mandantes, mas a polícia não consegue encarcerá-los e a Justiça raramente chega a julgá-los.

    O quadro é alarmante, nas palavras de Rupert Colville, porta-voz do Escritório da ONU para Direitos Humanos, com sede na Suíça. Na semana passada, Jamil Chade, correspondente deste jornal em Genebra, reportou a declaração de Colville: "Nós estamos alarmados com o fato de que mais um jornalista foi morto no Brasil neste ano. (...) Pedimos ao governo (brasileiro) para implementar imediatamente medidas de proteção para prevenir novos incidentes".

    Ele tem razão. Um país em que os repórteres são fuzilados dessa forma é um país em que o direito à informação está sendo sequestrado. Se esses crimes prosperam, a liberdade de imprensa reflui, obrigatoriamente. Com eles vem a autocensura, no mínimo. Para proteger a vida de seus funcionários os jornais passam a internalizar o medo. Não há como evitar. É o que vem acontecendo com várias redações jornalísticas no México.

    Na quinta-feira passada, em palestra no encontro da Associação Mundial de Jornais (WAN-Ifra), em Santiago, no Chile, o jornalista mexicano Javier Garza, do diário El Siglo de Torreón, mostrou o que a guerra do tráfico produziu em seu país. Apenas em 2011, 6 mil pessoas foram assassinadas. Repórteres e editores sofrem ameaças diárias. Regularmente, os bandidos metralham com AK-47 a fachada de residências de jornalistas e com isso aterrorizam as famílias. Resultado: as redações deixam de cobrir e publicar tudo o que deveriam cobrir e publicar. Não é para menos. Na situação de insegurança absoluta em que vivem algumas cidades mexicanas, hoje, enviar equipes para fotografar o local onde acaba de acontecer um massacre pode representar risco de morte.

    Em suma, se os jornais não podem cobrir, o cidadão não pode saber o que se passa em sua cidade, em seu país. Com impunidade garantida, os criminosos escapam ilesos, deixando no ar a perturbadora hipótese de que haveria um acumpliciamento entre autoridades inertes e bandidos sanguinários. As primeiras não fazem nada, os segundos atiram à vontade.

    Foi exatamente esse o cenário que descreveu outra jornalista mexicana, Anabel Hernández, que também fez uma palestra em Santiago na semana que passou. Repórter investigativa, ganhadora do Prêmio Pluma de Oro pela Liberdade 2012, conferido pela Associação Mundial de Jornais, Anabel usou palavras fortes: "Hoje no México existe um estado criminal perfeito. E pensar isso, dizer isso, escrever isso é mais perigoso do que ser narcotraficante ou trabalhar para o narcotráfico".

    Voltemos, então, à nossa pergunta: por que matar jornalistas?
    Se o Estado não cumpre seu dever de garantir o direito à vida e à segurança do povo, ele automaticamente sabota o direito da sociedade de ter acesso à informação. Em outras palavras: se o que vale é a lei da selva, não existem mais as premissas para que a instituição da imprensa sobreviva. Por isso a ONU tem razão de exigir de governos e das autoridades o esclarecimento e o julgamento dos crimes praticados contra jornalistas. O Estado é, sim, responsável pelo caos - um caos desinformativo, é bom frisar - a que estão submetidas muitas comunidades no México - e algumas famílias no Brasil.

    Por esse ângulo, nós podemos enxergar com nitidez cristalina, quase como se fosse com lupa, os laços pelos quais a corrupção, a inoperância judicial, o tráfico de drogas e os bandos de extermínio se associam numa simbiose necessária. A todos esses polos da criminalidade interessa exercer o mando pela violência privatizada e ilegal. Para tanto a eles interessa também suprimir a imprensa livre. Coerentemente, dividem as tarefas: uns matam os repórteres, outros garantem a impunidade - pois a impunidade só é realmente viável quando a imprensa está acuada, intimidada, jurada de morte.

    Poder Judiciário que não julga, polícia que não investiga, governadores que fingem que não é com eles, traficantes que subornam políticos, milícias que promovem massacres: todos são expoentes distintos de uma mesma máquina que vem minando o Estado de Direito e ameaçando a liberdade. O quadro piora ainda mais quando o poder governamental é mobilizado para prender jornalistas ou para levar jornais à falência. Foi o que tentou fazer, no início deste ano, o presidente do Equador, Rafael Correa, que depois se viu forçado a recuar.

    Sem dúvida, há um discurso anti-imprensa, um discurso fanatizante, ganhando volume em nosso continente. Em nome do combate a erros de jornalistas - erros que, por vezes, são de fato lamentáveis -, esse discurso investe não mais contra erros, mas contra a própria instituição da imprensa livre, propondo cerceá-la de mil maneiras diferentes. Nasce daí um caldo de cultura que, demonizando os órgãos de informação, facilita ainda mais a rotina dos narcotraficantes e dos que matam jornalistas - que matam jornalistas para oprimir o público.

    Zero Hora - Porto Alegre
    Artigos - Imprensa

    27 de abril de 2012 | N° 17052
    ARTIGOS

    “A força que não vence a força não se transforma em direito.”
    Armando Câmara

    O assassinato do jornalista Décio Sá em São Luís do Maranhão alinha o mais recente mártir a tombar na luta para impor novos ventos na ordem constitucional em relação ao livre direito de informar. É o império do crime organizado – ou será que é a sociedade que está desorganizada e banaliza a vida? Em outro episódio recente, a vítima foi a jovem juíza Patrícia Acioli, no Rio de Janeiro. Por aqui, operadores do Direito e comunicadores também sofrem ameaças, mas a cultura da coragem dos habitantes neste paralelo 30, na maioria das vezes, cala e paga para ver. Quem olha a luz de frente às sombras passa ao largo. Tiros na liberdade de imprensa e na Justiça. A liberdade de opinião representa a democracia no sentido mais amplo em nossos valores republicanos.

    Entristece-me a banalidade do tratamento da perda da vida e de modo especial a ofensa grave ao sagrado Estado democrático de direito. Entristece-me por igual quando silencia a bala o jornalista que pensa em voz alta baseado em fatos, provas e denúncias. Alguém já afirmou que é preferível Estado desorganizado, mas com imprensa livre, que Estado organizado com imprensa amordaçada. Mas será que o caminho do meio não deve ser perseguido e alcançado? A meta dos humanos é ser e não ter. No artigo “Saudades de Merquior” (1995), Roberto Campos lembrou Getúlio Vargas: “Os ministérios se compõem de dois grupos. Um formado por gente incapaz, e outro por gente capaz de tudo”. O jornalista, radialista que pela palavra expressa o que sua consciência apura, constitui-se no mais amplo exemplo da busca incessante da verdade, ainda que responda com a perda da vida. O bem mais sagrado junto com a liberdade.

    A inspiração que move o profissional de comunicação é o livre direito de informar, com exatidão e total imparcialidade, aquilo que vai ao encontro do que interessa ao leitor e ouvinte. Outro gigante que tombou por defender direitos afirmou: “O que mais preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos desonestos, dos sem-caráter, dos sem-ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons” (Martin Luther King). Todos os crimes merecem rigorosa investigação, punindo-se os culpados, mas os que atentam contra a democracia e a liberdade de informar afetam o Estado democrático de direito, sem o qual nada é possível se sofrer contaminação. Rezemos para Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil.

    *ADVOGADO E RADIALISTA

    Folha de São Paulo
    Editoriais - Imprensa

    EDITORIAIS
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    O último comunicado da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa, na sigla em espanhol) contém motivos para o Brasil se preocupar. O país encabeça a lista produzida pela entidade a respeito dos principais problemas que o jornalismo enfrenta nas Américas.

    O destaque negativo não é de pouca monta. A SIP se junta à ANJ (Associação Nacional de Jornais) para denunciar as ameaças sobre a mídia: crimes contra jornalistas em decorrência do exercício da profissão e investidas de governos contra órgãos de comunicação.

    No caso brasileiro, a SIP aponta os assassinatos de três profissionais neste ano, com fortes indicações de que as mortes foram relacionadas com seus trabalhos publicados. De acordo com o informe, "a morosidade da Justiça estimula a impunidade".

    Foram mortos em 2012 Paulo Roberto Cardoso Rodrigues, editor-chefe do "Jornal da Praça", em Ponta Porã (MS), Mário Randolfo Marques Lopes, chefe de reportagem do site "Vassouras na Net", em Barra do Piraí (RJ), e Laércio de Souza, jornalista da rádio Sucesso, em Camaçari (BA).

    Numa alarmante coincidência, horas depois de encerrado o encontro da SIP outro jornalista foi assassinado no Brasil. Décio Sá, do jornal "O Estado do Maranhão" (de propriedade da família Sarney) e autor de um controverso blog de política, morreu após ser alvejado por seis tiros disparados num restaurante. Para a polícia, o crime foi executado por profissionais.

    É evidente que quaisquer crimes -em particular os assassinatos- devem ser investigados, julgados e punidos de forma célere e rigorosa, sem distinção quanto a vítimas ou réus. Aqueles cometidos contra jornalistas, entretanto, exigem alguma atenção especial, sobretudo quando o intuito for intimidar a imprensa.

    Como já afirmou o novo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Carlos Ayres Britto, "a Constituição fez da imprensa a irmã siamesa da democracia".

    Sob esse aspecto, é consternadora a situação brasileira. O assassinato de um só jornalista já seria suficiente para inquietar o país, e no Brasil houve quatro, neste ano. A SIP aponta outras 27 ocorrências de ameaça à mídia nos últimos seis meses, desde agressões até episódios de censura judicial.

    Quando o ataque mira a atividade jornalística, ele não abate apenas um indivíduo, pois seus efeitos deletérios repercutem sobre toda a sociedade. Além de uma vida, perde-se também a segurança de que os fatos, as denúncias e as informações terão livre circulação.

    O Globo
    O País - Imprensa

    MERVAL PEREIRA

    O sigilo sobre a doença do presidente venezuelano Hugo Chávez e o episódio do “perdão” do presidente equatoriano Rafael Correa a jornalistas condenados pela Justiça por o terem atacado através do jornal “El Universo” são duas faces de uma mesma questão que aflige a América Latina como um todo: a tentativa de governos autoritários ou ditaduras de conter a liberdade de expressão.

    No Brasil — uma democracia que se distancia das práticas de outros países como a Argentina, mas está próxima politicamente de todos esses governos autoritários da região —, há tentativas de controle da liberdade de imprensa por ações propostas por setores petistas, até o momento rejeitadas pelo governo Dilma Rousseff.

    O receio da transparência de informações é tão grande que o presidente venezuelano preferiu se tratar em Cuba a ir para São Paulo, onde as informações sobre seu estado de saúde certamente seriam divulgadas por boletins médicos oficiais.

    Em todos esses dias em que Hugo Chávez está em Cuba para tratar de um segundo tumor, tenho conversado com jornalistas venezuelanos, colombianos e de Miami, em entrevistas ou troca de informações, e o comentário mais rotineiro é sobre a dificuldade de obter uma informação confiável do governo venezuelano.

    Ontem, cinco dias depois da viagem de Chávez para Cuba, saiu a primeira informação oficial, através do vice-presidente Elías Jaua, que, aliás, não pode assumir o governo porque Chávez não lhe transmitiu o cargo.

    Para demonstrar que o presidente continuava no comando do governo, a informação oficial foi de que Chávez telefonou ao vicepresidente de sua cama no Centro de Investigações Médico-Cirúrgicas (Cimeq) para reclamar das invasões que aconteciam no estado de Miranda, dando ordens para que os invasores fossem retirados.

    O vice-presidente disse que a lesão foi “completamente removida” na operação, com “a extração total da lesão pélvica”.

    Fica confirmado assim, de maneira indireta, que o primeiro câncer, assim como essa segunda “lesão”, ocorreu na região pélvica, mas ainda não se sabe exatamente em que órgãos.

    Segundo Elías Jaua, nos próximos dias serão divulgados os exames e as informações sobre o tratamento necessário.

    Se isso se confirmar, será uma mudança de atitude em relação ao que o governo venezuelano vem fazendo desde que a doença apareceu, no ano passado.

    Só depois que o jornalista do “El Universal” Nelson Bocaranda informou que o presidente venezuelano tinha um câncer é que a doença foi confirmada oficialmente, e o mesmo ocorreu agora, com a piora de sua saúde.

    Os procedimentos médicos a que o presidente Hugo Chávez foi submetido ainda não foram revelados oficialmente, embora se saiba que ele entrou na sala de cirurgia por volta de 23h de segunda-feira (21h de Havana) para uma laparotomia exploradora que verificaria se havia novos tumores além do que foi detectado, na mesma região do primeiro, que fora extirpado. E também se havia condições de nova cirurgia.

    Ontem pela manhã, às 7h de Cuba, foi realizada a cirurgia para a remoção do novo tumor. De acordo com fontes, a operação teria durado cerca de 90 minutos.

    Assim como a Venezuela, o Equador de Rafael Correa também é aparentemente uma democracia, onde todos os poderes funcionam.

    Mas o controle do Executivo é tamanho que os dois países se aproximam de uma ditadura, podendo já ser classificados de hiperpresidencialismo.

    A diferença para a ditadura, segundo os estudiosos, é justamente a existência de uma imprensa livre, o que nesses países está cada vez mais a perigo.

    O caso do Equador é exemplar. Os diretores do jornal “El Universo” e o jornalista e ex-editorialista Emilio Palacio foram condenados por um tribunal a pagar nada menos que U$ 40 milhões por supostos danos morais a Correa.

    Mesmo sem discutir o mérito da ação, somente o absurdo do valor da pena demonstra uma intenção de desencorajar novos artigos críticos.

    A Organização dos Estados Americanos (OEA) exigiu que o presidente equatoriano voltasse atrás no processo, e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos emitiu medidas cautelares para impedir a execução da sentença contra o jornal “a fim de garantir a liberdade de expressão”.

    Pressionado pela péssima repercussão internacional, o presidente do Equador, Rafael Correa, anunciou seu perdão, embora reafirmando que as penas foram merecidas, acusando a “ditadura” dos meios de comunicação.

    Ele também desistiu do processo contra os jornalistas Juan Carlos Calderón e Christian Zurita, autores de um livro sobre o irmão mais velho do presidente, Fabricio Correa, envolvido em negócios com o Estado.

    No seu discurso, o presidente equatoriano repetiu uma ladainha que é comum a todos esses governantes latino-americanos e a parte do petismo: o de que a imprensa conservadora assumiu o papel político de fazer oposição aos governos “progressistas” para barrar os avanços sociais conseguidos.

    Em artigo no jornal espanhol “El País”, o prêmio Nobel de literatura Mario Vargas Llosa afirmou que a ação do presidente equatoriano foi um ato político, para minar os pilares da democracia, a liberdade de expressão e o direito de crítica. E comparou sua atitude com a da presidente da Argentina Cristina Kirchner de perseguir os jornais argentinos.

    “O presidente do Equador, Rafael Correa, acaba de ganhar uma importante batalha legal contra a liberdade de imprensa em seu país e deu um grande passo para a conversão de seu governo num regime autoritário”, escreveu Vargas Llosa.

    O Globo
     Opinião - Imprensa

     

    Jornalistas críticos são condenados a pagar multas astronômicas O presidente do Equador, Rafael Correa, atua para calar a imprensa numa furiosa investida contra a liberdade de expressão que não deixa dúvidas sobre as aspirações ditatoriais de seu governo. O Equador luta para criar instituições democráticas depois de um passado recente de turbulência política.Correa foi eleito em 2006 na esteira de três golpes civis e militares. Mas, em vez de trabalhar pela consolidação democrática, resolveu embarcar na demagogia chavista e denominou seu governo de “Revolução Cidadã”.Com isso, cada vez mais se parece com os golpistas que o precederam. Seu primeiro mandato deveria ter-se encerrado em janeiro de 2011, mas uma nova Constituição — como instrui a cartilha dos regimes bolivarianos recém-instalados — marcou eleição para abril de 2009. Correa ganhou em primeiro turno e iniciou um novo “primeiro” mandato, que vai até agosto de 2013, com direito à reeleição. Se a conseguir, ficará na presidência até 2017.Governos como os de Equador, Venezuela e Bolívia (e até o da Argentina, kirchnerista) não conseguem conviver com críticas porque se acham donos da verdade. Uma de suas características é o hiperpresidencialismo: seus líderes fortalecem o Executivo, esvaziam o Legislativo e manietam o Judiciário, para fazerem o que bem entendem, posando como salvadores da pátria. No Equador, Correa entrou em guerra com a imprensa e, como domina o Judiciário, adotou uma forma perversa de estrangular os meios de comunicação. Juízes aplicam multas astronômicas a donos de veículos e a jornalistas que ousam criticá-lo.Foi assim no caso de três diretores e do editor de opinião do jornal “El Universo”, condenados a três anos de prisão e a uma multa de US$ 40 milhões (superior ao valor da própria empresa), por supostamente caluniarem o presidente. O jornalista, Emílio Palácio, acusou Correa de ter ordenado os disparos de militares contra um hospital onde o presidente se refugiara durante a tentativa de golpe de 30 de setembro de 2010.Situação semelhante vivem os jornalistas Juan Carlos Calderón e Christian Zurita Ron, autores do livro “El Grande Hermano”, que detalha como o irmão do presidente teria se beneficiado de contratos com o governo, o que é ilegal.Os jornalistas afirmam no livro que Correa sabia dos contratos, e, por isso, foram condenados cada um a pagar multas de US$ 1 milhão. Correa negou que soubesse e ordenou o cancelamento dos contratos.Na última segunda-feira, entrou em vigor o ironicamente denominado Código da Democracia, uma lei que simplesmente proíbe os veículos de comunicação de divulgar entrevistas e reportagens com candidatos durante as campanhas eleitorais. Ou seja: a imprensa equatoriana está proibida de informar aos eleitores o que dizem, pensam e prometem os candidatos a representá-los nas diversas assembleias legislativas e instâncias do Executivo.É assustador como governantes latinoamericanos do Século XXI teimam em adotar práticas obscuras, ultrapassadas e já condenadas, por inviáveis, ao lixo da História.

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     Opinião - Internet

     TEMA EM DISCUSSÃO: Direito autoral e de propriedade na internet
    OUTRA OPINIÃO
    CARLOS AFFONSO PEREIRA DE SOUZA

    O problema não se resume a um maior ou menor respeito à criatividade

    Ofuturo da regulação da internet passa pela discussão do papel dos direitos autorais. As propostas em tramitação no Congresso dos EUA conhecidas pelos acrônimos Sopa e Pipa representam um direcionamento complicado desse debate, já que impõem severas restrições a outros direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, a privacidade e o acesso à informação e ao conhecimento.

    O movimento que impediu a sua iminente votação, liderado por um blecaute de importantes sites, não é menos complexo e vai além da oposição entre Hollywood e o Vale do Silício.

    O blecaute foi o plano B. O processo legislativo que gerou Sopa e Pipa tem na sua essência um cabo de guerra entre diversos interesses nem sempre evidentes. Os projetos só foram levados à votação porque as empresas de tecnologia perderam o primeiro round. Restou então adotar a estratégia de comunicação dos riscos de tais leis ao funcionamento da rede, o que transformou todo internauta em um potencial ativista.

    Na raiz do problema não está um maior ou menor respeito aos direitos autorais, mas formas diferentes de compreender a produção intelectual, cada vez mais apoiada em modelos colaborativos que, a partir de obras alheias, geram críticas, sátiras, "mashups" e "memes" disseminadas na internet através das redes sociais e sites de fotos e vídeos. Tais conteúdos e espaços, nos quais muitos (e especialmente as novas gerações) desenvolvem suas referências e se comunicam, dependem de um ambiente jurídico no qual se preserve a possibilidade de criação, transformação e compartilhamento.

    Se aplicados os termos vagos de leis como Sopa, esses sites poderiam ser retirados do ar sem questionamentos sobre a existência de fair use ou motivações sustentadas por outros direitos fundamentais. As leis sobre direitos autorais precisam conciliar a proteção do investimento com a percepção de que a própria criação intelectual se transforma.

    A pirataria e o discurso criminalizante correlato, por outro lado, prestam um desfavor à compreensão do tema ao tratar como iguais práticas radicalmente distintas, confundindo usos legítimos, como para fins educacionais, com aqueles que transformam a infração à propriedade intelectual em atividade industrial.

    O debate nos EUA prosseguirá e resta saber se o blecaute terá servido apenas para elevar o poder de fogo do Vale do Silício no Congresso dos EUA ou se alguma participação da coletividade de agentes, cujos interesses divergem, mas são coincidentes no repúdio aos projetos, será aproveitada a longo prazo.

    No Brasil, a discussão sobre o projeto do Marco Civil da internet, atualmente na Câmara dos Deputados, representa uma verdadeira lei "anti-Sopa". Gerado por um processo colaborativo na rede, ele aponta para outra direção no debate sobre direitos autorais. Ao contrário do Sopa, que ao tratar de direitos autorais atinge vários outros direitos, o Marco Civil dispõe sobre princípios e direitos fundamentais, criando assim o ambiente para uma regulação equilibrada do direito autoral na internet.

    CARLOS AFFONSO PEREIRA DE SOUZA é vicecoordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV.

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    A hora da credibilidade
    CARLOS ALBERTO DI FRANCO

    Arrogância, precipitação e superficialidade têm sido, na opinião de James Fallows, autor do afiadíssimo “Detonando a notícia”, a marca registrada de certos setores da mídia americana.

    A crítica, contundente e despida de corporativismo, continua produzindo reações iradas, alguns aplausos entusiásticos e, sem dúvida, uma saudável autocrítica. A síndrome não reflete uma idiossincrasia da imprensa estadunidense. Trata-se de uma doença universal. Também nossa. Reconhecê- la é importante. Superá-la, um dever.

    Fallows questiona, por exemplo, a aspiração de exercer um permanente contrapoder que está no cerne de algumas matérias. O jornalismo doutrinário do passado, vestígio dos baronatos da imprensa, ressurge, frequentemente, sob o manto protetor do dogma do ceticismo. A investigação jornalística não brota da dúvida necessária, da interrogação inteligente. Nasce, muitas vezes, de uma enxurrada de preconceitos.

    Há um ceticismo ético, base da boa reportagem investigativa. É a saudável desconfiança que se alimenta de uma paixão: o desejo dominante de descobrir e contar a verdade. Outra coisa, bem diferente, é o jornalismo de suspeita. O profissional suspicaz não tem "olhos de ver". Não admite que possa existir decência, retidão, bondade.

    Tudo passa por um crivo negativo que se traduz em incapacidade crescente de elogiar o que deu certo.

    O jornalista não deve ser ingênuo. Mas não precisa ser cínico. Basta ser honrado, independente.

    A fórmula de um bom jornal reclama uma balanceada combinação de convicção e dúvida. A candura, num país marcado pela tradição da impunidade, acaba sendo um desserviço à sociedade. É indispensável o exercício da denúncia fundamentada. Precisamos, independentemente do escárnio e do fôlego das máfias da vida pública, perseverar num verdadeiro jornalismo de buldogues. Um dia a coisa vai mudar. E vai mudar graças também ao esforço investigativo dos bons jornalistas.

    Essa atitude, contudo, não se confunde com o cinismo de quem sabe "o preço de cada coisa e o valor de coisa alguma". O repórter, observador diário da corrupção e da miséria moral, não pode deixar que a alma envelheça.

    Convém renovar a rebeldia sonhadora do começo da carreira. O coração do foca deve pulsar em cada matéria.

    A precipitação é outro vírus que ameaça a qualidade informativa. Repórteres carentes de informação especializada e de documentação apropriada ficam reféns da fonte. Sobra declaração, mas falta apuração rigorosa.

    A incompetência foge dos bancos de dados. Troca milhão por bilhão. E, surpreendentemente, nada acontece.

    O jornalismo é o único negócio em que a satisfação do cliente (o leitor) parece interessar muito pouco. O jornalismo não fundamentado em documentação é o resultado acabado de uma perversa patologia: o despreparo de repórteres e a obsessão de editores com o fechamento. A chave de uma boa edição é o planejamento.

    Quando editores não formam os seus repórteres, quando a qualidade é expulsa pela ditadura do deadline, quando as entrevistas são feitas pelo telefone e já não se olha nos olhos do entrevistado, está na hora de repensar todo o processo de edição.

    CARLOS ALBERTO DI FRANCO é diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS). E-mail: Este endereço de e-mail está sendo protegido de spambots. Você precisa habilitar o JavaScript para visualizá-lo.¬

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