O Estado de S.Paulo
     Opinião - Conselho de Comunicação Social -  13 de janeiro de 2012 |

    Por iniciativa do governador Jacques Wagner (PT), o Estado da Bahia conta com um Conselho de Comunicação Social encarregado de planejar e elaborar políticas públicas para o setor. Ele é o primeiro órgão do gênero no País. Integrado por 20 representantes da sociedade civil e 7 representantes do poder público, o Conselho foi instalado esta semana.

    Apresentado como um "espaço" onde movimentos sociais, jornalistas, empresários e governo poderão discutir os "problemas" da mídia na Bahia, o Conselho foi criado por sugestão de uma Conferência Estadual de Comunicação, realizada em 2008. Entre outras conclusões, o evento defendeu o "controle social da mídia" - um eufemismo para subordinar o livre fluxo da informação aos interesses dos grupos organizados que dizem representar a sociedade e incentivam a ingerência do poder público no setor de comunicação.

    Proposto pelo Executivo, o projeto de criação do Conselho de Comunicação Social foi aprovado em maio de 2011 e concede ao órgão a prerrogativa de fiscalizar a atividade de jornalistas e de empresas de comunicação - inclusive privadas - e de avaliar denúncias de abusos de direitos humanos na mídia. Na solenidade de posse dos conselheiros, Wagner afirmou que a criação do Conselho "não significa controle da mídia", mas as entidades do setor de comunicação advertiram para o risco de o órgão impor formas sutis de censura. "A criação de conselhos estaduais e municipais, sob o pretexto ideológico de garantir o controle social da mídia, pretende apenas impor à imprensa limites incompatíveis com a democracia", disse o diretor jurídico da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Rodolfo Machado Moura.

    A liberdade de expressão e manifestação de pensamento é tratada como cláusula pétrea pela Constituição de 88. No artigo 22, inciso 4.º, a Carta também é taxativa ao afirmar que compete privativamente à União legislar sobre comunicação e radiodifusão. Para justificar a tentativa da administração petista de legislar em matéria sobre a qual não tem competência legal, os assessores de Wagner disseram que só "regulamentaram" a Constituição do Estado da Bahia. "O que a gente fez foi regulamentar o artigo 277, que prevê o direito à informação da sociedade", afirmou o secretário de Comunicação Social, Robinson de Almeida.

    O argumento não se sustenta, já que as constituições estaduais não podem se sobrepor à Carta Magna. Mas há sempre o risco de que outros Estados sigam o exemplo da administração petista da Bahia, ameaçando o livre exercício do jornalismo. Invocando o estímulo à expansão da comunicação comunitária e regional e o fomento à produção de conteúdo local, os defensores da criação de conselhos de comunicação social não escondem a intenção de interferir no noticiário de revistas e jornais e nas programações de rádios e televisões.

    Essa é, aliás, uma antiga pretensão petista. Foi em nome dela que o governo do presidente Lula, em seu primeiro mandato, endossou dois projetos ostensivamente autoritários, que previam a criação do Conselho Federal de Jornalismo e da Agência Nacional de Cinema e do Audiovisual. O primeiro órgão tinha a prerrogativa de "orientar, disciplinar e fiscalizar" a atividade jornalística no País, enquanto o segundo tinha poderes discricionários para "mediar" os interesses da sociedade e das empresas de entretenimento cultural.

    Graças à mobilização da sociedade civil, os dois projetos foram engavetados. Em seu segundo mandato o governo do presidente Lula patrocinou uma Conferência Nacional de Comunicação, retomando as duas iniciativas. Realizado em 2009, o evento foi organizado em moldes semelhantes ao da Conferência Estadual de Comunicação, de 2008. E as discussões foram tão enviesadas, ideologicamente, que seis, das oito entidades que representam empresas de comunicação, as abandonaram.

    A criação do Conselho de Comunicação Social da Bahia, afrontando a Constituição, é o desdobramento dessa ofensiva petista contra a imprensa livre.

    O Estado de S.Paulo
    Internacional - Liberdade de Expressão

    A ameaça à liberdade de expressão

    Normas de discurso ensinam erroneamente uma geração de estudantes a calar a boca
    07 de janeiro de 2012 |

    É PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO PELOS , DIREITOS INDIVIDUAIS NA EDUCAÇÃO, GREG, LUKIANOFF, THE WASHINGTON POST, É PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO PELOS , DIREITOS INDIVIDUAIS NA EDUCAÇÃO, GREG, LUKIANOFF, THE WASHINGTON POST - O Estado de S.Paulo

    Nos anos 80, ativistas iniciaram a uma campanha pelo fim do discurso ofensivo, fanático e politicamente incorreto e estabeleceram códigos do discurso nas universidades de todo o país. Embora o movimento se apresentasse como uma atitude inovadora para tornar os campus universitários mais acolhedores, a iniciativa acabou se contrapondo diretamente ao "movimento pela liberdade de expressão" dos anos 60. Os propagadores deste último compreendiam que qualquer exceção à liberdade de expressão era inevitavelmente usada por aqueles que estavam no poder para punir as opiniões das quais não gostavam. Infelizmente, tais exceções ganharam impulso quando as instituições mais prestigiosas aprovaram normas de discurso.

    A fachada de legalidade sobre a qual o movimento pelas normas do discurso tinha raízes tinha base no conceito de assédio num "ambiente de trabalho hostil". Como os direitos civis americanos proibiam a discriminação dos sexos nos campus universitários, a jurisprudência sobre o assédio - às vezes combinada com outras justificativas tênues - tornou-se o instrumento legal fundamental que as universidades usaram para formular normas do discurso.

    A Fundação pelos Direitos Individuais na Educação (Fire, na sigla em inglês) empreende um amplo estudo anual dos códigos do discurso nas universidades. Seu relatório para 2012 constatou que 65% de cerca das 400 principais escolas de nível superior adotam normas que proíbem em grande parte o que era qualificado antes de livre discurso. Normas de assédio muito gerais continuam sendo a arma preferida nas escolas para punir o discurso que desagrada aos seus administradores.

    Combatendo há dez anos a censura nos campus, vi definir-se como assédio expressões banais como "risadas pouco apropriadas", usadas para policiar os estudantes por se referirem a um candidato do conselho estudantil como "nojento e debiloide" e verificáveis factualmente, como no caso de uma expressão nada lisonjeira sobre o radicalismo islâmico publicada numa revista estudantil conservadora.

    Os exemplos são inúmeros. O que preocupa é que a aplicação dessas normas abrangentes e desastradas ensina erroneamente a uma geração de estudantes que talvez seja mais seguro manter a boca fechada quando surgem questões importantes ou controvertidas. Essas lições nada liberais sobre a vida numa sociedade livre são um veneno para o debate e para a experimentação de ideias e, portanto, para o pensamento inovador de que a educação superior e a democracia tanto precisam.

    O Escritório dos Direitos Civis (OCR, na sigla em inglês) tentou em 2003 colocar um ponto final à desculpa usada de que "foi o governo que me mandou fazer isso" para justificar as tais normas do discurso. O OCR enviou uma carta a cada faculdade dos EUA que recebia verbas federais - portanto, praticamente todas - deixando claro que o assédio exige um quadro grave de comportamento discriminatório, não apenas uma mera transgressão. Desde então, o número de regras sobre discurso nas universidades começou a diminuir.

    No ano passado, o OCR voltou atrás. Em abril, divulgou uma carta de 19 páginas estabelecendo os procedimentos que as faculdades deveriam seguir nos casos de assédio e agressão sexual. Entre seus vários pontos preocupantes está a exigência de que os casos de assédio sexual sejam julgados usando as mínimas provas possíveis apresentadas ao tribunal. Esse fato ignora o papel que definições vagas e amplas de assédio tiveram na justificativa das normas do discurso nos campus, em comparação às últimas décadas.

    Isso levou à adoção de tantas medidas processuais que as escolas precisam incorporar para tratar das acusações de assédio sexual sem a obrigação simultânea de uma definição coerente, limitada e constitucional do assédio. O OCR aconselha as autoridades do campus, que já tendem a usar essas normas, a punir discursos dos quais simplesmente não gostem.

    A Suprema Corte dos EUA deu uma única orientação na questão espinhosa do assédio de estudantes a estudantes no caso Davis x Conselho de Educação do Condado de Monroe, de 1999. Os juízes reconheceram a necessidade de uma cuidadosa definição do que constitui "assédio" no ambiente da escola, temendo que o contato diário acabasse se tornando um crime federal. O tribunal definiu assédio como uma conduta discriminatória "grave, difundida e objetivamente ofensiva".

    Tal definição, se aplicada de maneira justa, não representa uma ameaça à liberdade de expressão e proíbe efetivamente o assédio real.

    Nesta semana, a Fire e uma ampla coalizão de organizações escreveram à OCR exigindo que ela afirme publicamente a norma usada no caso Davis como a definição final para o assédio nos campus.

    Seguindo simplesmente a orientação da Suprema Corte, a OCR garantiria que o assédio grave fosse punido no campus enquanto a liberdade de expressão seria energicamente defendida. Em uma única decisão, a OCR eliminou dos campus grande parte de todas as normas do discurso, impedindo ao mesmo tempo que as instituições percam mais ações referentes à Primeira Emenda. O mais importante é que, reconhecendo o precedente do caso Davis, a OCR mostra que a liberdade de expressão e as mentes livres são essenciais e não incompatíveis com o desenvolvimento de pensadores criativos, críticos e inovadores nas universidades dos EUA. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

    Correio Braziliense
    Opinião - Imprensa

    » JUDITH BRITO
    Presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ)
    Publicação: 19/11/2011

    Cada cidadão nasce sob a égide de um Estado nacional, o Leviatã — nem sempre benevolente. Nas sociedades modernas, há consenso de que o sistema democrático representa não um modelo perfeito de convivência, mas, quem sabe, o menos ruim que os homens conseguem gestar. Não por outra razão, a referência global de democracia consolidada, a norte-americana, tratou de cravar em sua Constituição, já em 1791, a Primeira Emenda, que impede qualquer restrição à liberdade de imprensa — um dos pilares indispensáveis das sociedades democráticas.

    No Brasil, a Constituição de 1988 consagrou o mesmo princípio, e decisão do Supremo Tribunal Federal, em 2009, que revogou a Lei de Imprensa do governo militar, acabou por consolidar de vez a liberdade de expressão.

    Apesar desse entendimento, ainda existem, mesmo que residualmente, decisões de juízes proibindo os meios de comunicação de veicularem determinadas informações, o que na prática configura censura prévia judicial. Por essa razão, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) tem procurado a interlocução com representantes dos órgãos do Judiciário nos diversos estados do país, com o objetivo de discutir, de forma aberta e saudável, o espírito da lei.

    Geralmente as decisões de censura prévia judicial decorrem de pedidos feitos por políticos, por autoridades públicas, que pretendem impedir divulgação de informações que consideram mentirosas ou ofensivas. Alguns juízes acatam o que pedem esses agentes públicos e determinam que o meio de comunicação que esteja de posse das informações seja punido, quase sempre com pesadas multas, caso as divulgue.

    Os juízes que impõem a censura prévia argumentam que a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa não são absolutas e não podem se sobrepor aos direitos individuais, como a imagem e a privacidade desses agentes públicos. Por essa interpretação, o direito de um indivíduo de se proteger da divulgação de informação que considera mentirosa ou ofensiva antecede o direito geral da sociedade de ter acesso a essa informação.

    No entanto, como bem disse o ministro Carlos Ayres Britto quando da decisão do STF em 2009: “Não há como garantir a livre manifestação do pensamento... senão colocando em estado de momentânea paralisia a inviolabilidade de certas categorias de direitos subjetivos fundamentais, como, por exemplo, a intimidade, a vida privada, a imagem e a honra de terceiros”.

    Como reza o princípio maior da liberdade de expressão consagrado por nossa Constituição, ninguém pode proibir ninguém de dizer o que quer que seja. A contrapartida dessa plena liberdade de expressão é a possibilidade de o divulgador de determinada informação, depois dela tornada pública, ser processado e condenado por danos morais, conforme legislação específica.

    A violação ao princípio constitucional da liberdade de expressão é ainda mais grave quando censura prévia judicial beneficia um agente do Estado. Essas figuras públicas têm status diferenciado diante da sociedade, bem diverso do de outros cidadãos, e precisam, sim, estar sob a permanente vigilância dos meios de comunicação. Gozam, inclusive, de foros de julgamento privilegiados no Poder Judiciário. Por isso, quando um jornal divulga informações a respeito de determinado político sob investigação da Polícia Federal, ele o faz exercendo um direito de toda a sociedade, de ter acesso às informações que lhe interessam.

    Nos casos relacionados a agentes públicos, a agentes do Estado, a democracia claramente optou pela possibilidade do ônus individual — passível de correção a posteriori — do que pelo ônus coletivo, com toda a sociedade sendo prejudicada.

    É claro que erros e injustiças podem ocorrer, mas esse é um mal menor diante do grande equívoco de se institucionalizar a censura prévia, mesmo que apenas pela via judicial. Se queremos mesmo uma democracia, com plena justiça, não podemos admitir que os interesses dos agentes públicos estejam acima dos de toda a sociedade.

    Valor Econômico
    Política - Liberdade de Expressão

    Por Renato Janine Ribeiro

    Não saberia discutir o caso Rafael Bastos, pela mera razão de que nunca vi o humorista. Mas o debate sobre afirmações agressivas e até desrespeitosas - refiram-se a mulheres feias, refiram-se a homossexuais -, indo do deputado Bolsonaro aos humoristas, é de grande importância política. Porque está em jogo o alcance da liberdade de expressão.

    Ora, o que tenho lido a respeito e constitui um quase consenso entre os jornalistas, mas não tanto fora de seu meio, se resume assim: é inaceitável qualquer censura. É preferível que, no mais livre debate, se possa expressar o que há de mais odioso, porque poderá ser contestado, do que coibir sua veiculação. Primeiro, porque se alguém tiver o poder de definir o que é decente e indecente, o que é "do bem" ou "do mal", esse alguém terá um poder ilimitado, que inevitavelmente empregará para proteger e promover o seu lado e reprimir seus opositores. Segundo, porque estamos lidando com adultos. Eles não podem ter restringido seu direito de acesso a toda forma de opinião até porque, só pelo acesso, pelo debate, pela exposição de ideias opostas, poderão superar o preconceito.

    Creio que meu resumo é bastante fiel. Aliás, concordo com tudo isso. Só acho que esse discurso deixa de lado dois problemas sérios. O primeiro é que nenhuma liberdade é absoluta, nem mesmo a de expressão. Na Alemanha, por razões óbvias, a apologia do nazismo é proibida. Na França, negar a realidade histórica do Holocausto constitui crime. Os dois países entendem que a expressão de ideias fascistas não deve ser tolerada, pelos males que já causaram. Considera-se que os indivíduos não dispõem necessariamente de antivírus contra esses perigos.

    Todo abuso de uma liberdade constitui crime inaceitável

    Deixam a Alemanha e a França de ser países democráticos, porque proíbem a pregação do ódio? No Brasil, a Constituição que veda a censura manda respeitar o nome, a reputação e a família. Qual o equilíbrio entre o direito de se expressar livremente e a obrigação de respeitar o outro? Esse ponto tem de ser definido. Não havendo lei de imprensa, ficam indefinidas as fronteiras entre o direito de se expressar e o de se proteger da calúnia. Esse limbo deixa tudo ao arbítrio do juiz.

    Mas há um segundo problema - e esse me entristece. Trinta anos atrás, vivíamos sob a ditadura mais longa de nossa história. Defender a liberdade de expressão significava, então, lutar para que riquezas enormes viessem à tona. Pudera: de 1964 até 1985, passamos por três fases de suspensão até das garantias constitucionais mínimas - seis meses do Ato Institucional, em 1964, ano e meio do AI-2, entre 1965 e 1967, mais de dez anos do AI-5, começando em 1968. Na outra metade da ditadura, mesmo sem atos institucionais, as leis vigentes limitavam muito a liberdade. A esperança era então que a liberdade nos trouxesse ar, vida, sensibilidade, inteligência. Quando um livro, filme ou peça era proibido, víamos nisso um selo de qualidade. E quase sempre tínhamos razão.

    Então por que hoje, quando se fala em liberdade de expressão, é para defender o direito a dizer e fazer o pior, não para o melhor? Repito: não me julgo capacitado a dizer o que é bom ou mau, nem quero para mim o poder legal de distingui-los. Mas, nos tempos que evoco, a liberdade era vista como criativa, produtiva de melhores relações humanas. Hoje, porém, quando ela é invocada pelos jornalistas a que aludi, é para autorizar a expressão do que há de pior no ser humano. Mais grave que Bolsonaro, aliás, foi o deputado paulista que acusou os negros de descenderem do filho maldito de Noé. Aqui, saímos dos limites democráticos e entramos no âmbito do que uma sociedade decente pode e deve castigar. Não defendo a censura. Censurar e punir são coisas bem diferentes. A censura se faz antes. Já a punição se aplica depois. A censura impede que se cometa um ato julgado errado. Curiosamente, ela torna o censurado inocente e impune, porque não pôde fazer a coisa errada (supondo que fosse mesmo errada). Mais adequada é a punição, que não impede ninguém de dizer o que quiser, mas castiga com o rigor da lei, após processo justo, quem agiu criminosamente de qualquer forma, inclusive com a palavra.

    Mas hoje a liberdade de expressão deixou de ser selo de qualidade para se tornar sinal de desesperança. A maior parte dos que defenderam Rafael Bastos e outros humoristas que avançaram o sinal, pelo menos, do bom gosto alega que qualquer limite à liberdade de expressão pode levar ao controle dos adultos por um governo que imporá cada vez mais controles e censuras. Eu concordo, contra a censura. Contudo, não é um triste sinal dos tempos que hoje, quando se elogia a liberdade de expressão, seja para tolerar o discurso vulgar, preconceituoso, que rebaixa o nível do convívio social - e não mais para criticar o que existe de errado, apresentar utopias, fazer a razão sonhar?

    Nos tempos em que a América Latina padecia sob as ditaduras de direita e a Europa Oriental sob as de esquerda, dizia-se que nas gavetas havia inúmeras obras de qualidade, proibidas pela censura - e que, caindo o regime autoritário, cem flores floresceriam. Mas isso não sucedeu. Havia menos obras-primas proibidas do que se imaginava. Parece que, em geral, uma obra-prima precisa de liberdade, não só para ser publicada, mas até mesmo para ser escrita. Mas o que me entristece é ver que hoje se valoriza cada vez mais o vulgar, o reles. Anos atrás, esperávamos que a liberdade gerasse o bom e o ótimo. Agora, parece que o reles é a essência da liberdade, seu produto mais constante, talvez mais importante. Só posso dizer que lastimo esse estado de coisas.

    Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras
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    O Estado de S.Paulo
    Opinião - Imprensa

     17 de outubro de 2011

    Carlos Alberto Di Franco - O Estado de S.Paulo

    Televisão e internet são, frequentemente, os bodes expiatórios para justificar a crise dos jornais. Os jovens estão "plugados" horas sem-fim. Já nascem de costas para a palavra impressa. Será? É evidente que a juventude de hoje lê muito menos. Mas não é só a moçada que foge dos jornais. Os representantes das classes A e B também têm aumentado a fileira dos navegantes do espaço virtual.

    Os diários de sucesso são aqueles que sabem que o seu público, independentemente da faixa etária, é constituído por uma elite numerosa, mas cada vez mais órfã de jornais de qualidade. Num momento de ênfase no didatismo, na infografia e na prestação de serviços - estratégias convenientes e necessárias -, defendo a urgente necessidade de complicar as pautas. O leitor que devemos conquistar não quer, como é lógico, o que pode conseguir na TV ou na internet. Ele quer informação de qualidade: a matéria aprofundada, a reportagem interessante, a análise que o ajude, de fato, a tomar decisões.

    Para sobreviverem os grandes jornais precisam fazer que seja interessante o que é relevante. "O jornalismo impresso deve ser feito para um público de paladar fino e ser importante pelo que conta e pela forma como conta. A narração é cada vez mais importante." É a correta percepção do professor Alfonso Sánchez-Tabernero, vice-reitor da Universidade de Navarra, na Espanha.

    Quem tem menos de 30 anos gosta de sensações, mensagens instantâneas. Para isso a internet é imbatível. Mas há quem queira entender o mundo. Para estes deve existir leitura reflexiva, a grande reportagem. Será que estamos dando respostas competentes às demandas do leitor qualificado? A pergunta deve fazer parte do nosso exame de consciência diário.

    Antes, os periódicos cumpriam muitas funções. Hoje, não cumprem algumas delas. Não servem mais para nos contar o imediato, o que vimos na TV ou acabamos de acessar na internet. E as empresas jornalísticas precisam assimilar isso e se converter em marcas multiplataformas, com produtos adequados a cada uma delas. Não há outra saída!

    Nas experiências que acompanho, no Master em Jornalismo e nos trabalhos de consultoria, ninguém alcançou a perfeição e ninguém se equivocou totalmente. O que se nota é que os jornais estão lentos para entender que o papel é um suporte que permite trabalhar em algo que a internet e a rede social não podem: a seleção de notícias, o jornalismo de alta qualidade narrativa e literária. É isso que o público está disposto a pagar. A fortaleza do jornal não é dar notícia, é se adiantar e investir em análise, interpretação e se valer de sua credibilidade.

    Estamos numa época em que informação gráfica é muito valiosa. Mas um diário sem texto é um diário que vai morrer. O suporte melhor para fotos e gráficos não é o papel. Há assuntos que não é possível resumir em poucas linhas. Assistimos a um processo de superficialização dos jornais. Queremos ser light, leves, coloridos, enxutos. O risco é investir na forma, mas perder no conteúdo. Olhemos para o sucesso da revista britânica The Economist. Algo nos deveria dizer. Não é verdade que o público não goste de ler. O público não lê o que não lhe interessa, o que não tem substância, não agrega, não tem qualidade. Um bom texto, para um público que compra a imprensa de qualidade, sempre vai ter interessados.

    Daí a premente necessidade de um sólido investimento em treinamento e qualificação dos profissionais. Para mim, o grande desafio do jornalismo é a formação dos jornalistas. Se você for a um médico e ele disser que não estuda há 20 anos, você sai correndo. Mas há jornalistas que não estudam há 20 anos. É preciso criar oportunidades de treinamento. O jornalismo não é rotativa. O valor dele se chama informação de alta qualidade, talento, critério, ética, inovação. Por isso são necessários jornalistas com excelente formação cultural, intelectual e humanística. Gente que leia literatura, seja criativa e motivada.

    O conteúdo precisa fugir do previsível. O noticiário de política, por exemplo, tradicionalmente forte nos segmentos qualificados do leitorado, perdeu vigor. Está, frequentemente, dominado pela fofoca e pelo declaratório. Fazemos denúncias (e é importante que as façamos), mas, muitas vezes, faltam consistência, apuração sólida. O resultado é a pauta superada por um novo escândalo. Fica no leitor a sensação de que não aprofundamos, não conseguimos ir até o fim. O marketing político avançou além da conta. Estamos assistindo à morte da política e ao advento da era do declaratório e da inconsistência.

    Políticos e partidos vendem uma bela embalagem, mas fogem da discussão das ideias e das políticas públicas. Nós, jornalistas, somos - ou deveríamos ser - o contraponto a essa tendência. Cabe-nos a missão de rasgar a embalagem e mostrar a realidade. Só nós, estou certo, podemos minorar os efeitos perniciosos do espetáculo audiovisual que, certamente, não contribui para o fortalecimento de uma democracia sólida e amadurecida.

    Uma cobertura de qualidade é, antes de mais nada, uma questão de foco. É preciso declarar guerra ao jornalismo declaratório e assumir, efetivamente, a agenda do cidadão. O nosso papel é ouvir as pessoas, conhecer suas queixas, identificar suas carências e cobrar soluções dos governantes. O jornalismo de registro, pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real. Precisamos fugir do espetáculo e fazer a opção pela informação. Só assim, com equilíbrio e didatismo, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.
    Só um sério investimento em qualidade e rigor garantirá o futuro dos jornais.

    O Estado de S.Paulo
    Opinião - Imprensa

    05 de setembro de 2011
    Carlos Alberto Di Franco - O Estado de S.Paulo

    O leitor é sempre o melhor termômetro para medir a temperatura da sociedade. Em meu último artigo fiz uma radiografia da corrupção e defendi três prioridades no combate aos malfeitos: cobrar dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento do mensalão, focar as coberturas jornalísticas nos casos emblemáticos de corrupção e instituir o Placar da Corrupção, um infográfico com a situação dos casos mais vistosos de pilhagem do dinheiro público.

    Recebi uma enxurrada de e-mails de leitores de várias cidades brasileiras. Uma forte amostragem de opinião pública. Um denominador comum esteve presente em todas as mensagens: as pessoas não admitem o não julgamento do mensalão, com a consequente consagração da impunidade. Ao mesmo tempo, afirmam que o trabalho investigativo da imprensa deve continuar e aprofundar.

    Chegou a hora do STF. Como escrevi neste espaço opinativo, julgar o mensalão não é uma questão de prazos processuais. É um dever indeclinável. Se o STF carimbar o mensalão com a prescrição, hipótese gravíssima, mas provável, concederá, na prática, um passaporte para a institucionalização da bandalheira.

    A desqualificação do mensalão é essencial para aqueles que se apropriaram do Estado brasileiro. O primeiro sinal do desmonte do mensalão foi dado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao deixar o governo, ele disse que sua principal missão, a partir de janeiro de 2011, seria mostrar que o mensalão "é uma farsa". A "farsa" a que se referia Lula derrubou ministros do seu governo, destituiu dezenas de diretores de estatais e mandou para o espaço a cúpula do seu partido. Encurralado, o então presidente só não caiu graças ao tamanho da incompetência da oposição.

    Réus do processo passaram a ocupar postos altos nas estruturas dos Poderes. João Paulo Cunha (PT-SP) foi eleito presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. José Genoino foi nomeado assessor especial do Ministério da Defesa, então comandado por Nelson Jobim, ex-presidente do STF. José Dirceu - "o chefe da quadrilha", segundo escreveu o então procurador-geral da República na denúncia em que acusou a antiga cúpula do partido de Lula e de Dilma de se ter convertido numa "organização criminosa" - transita com desembaraço pelos corredores do poder.

    Está nas mãos da Suprema Corte assumir o papel histórico de defesa da democracia e dos valores republicanos ou - Deus não queira - virar as costas para a cidadania. A sociedade tem o direito de confiar no ministro Joaquim Barbosa, relator do mensalão. Ele saberá honrar sua toga e sua biografia. Os brasileiros esperam que os ministros respondam à indignação da cidadania.

    Paira no ar, no entanto, um clima de decepção e desencanto, fruto direto da impunidade. Em nome do amplo direito de defesa, importante e necessário, a efetivação da justiça acaba se transformando numa arma dos poderosos de turno e numa sistemática frustração das esperanças dos mais desprotegidos. Aplicam-se ao pobre os rigores da lei e se concedem ao rico as vantagens dos infinitos recursos que o Direito reserva aos que podem pagar uma boa defesa. É duro, mas é assim.

    O esforço investigativo da imprensa está contribuindo para restabelecer o equilíbrio nas relações sociais. Para o jornalismo verdadeiramente ético e independente, não há distinções e imunidades. Os holofotes da mídia têm projetado fachos de luz em zonas turvas do poder. Incomoda? É claro. E deve ser assim. Jornalismo chapa-branca não contribui com a democracia. É preciso que exista certa tensão entre imprensa e governos. No entanto, a memória do cidadão - a minha e a sua, caro leitor - não é das mais fortes. E a vertiginosa sucessão de delitos acaba sendo importante aliada do esquecimento. Não basta denunciar. É preciso focar e perseverar num autêntico jornalismo de buldogues.

    É dever ético da imprensa promover uma ampla conscientização da relevância que os cargos públicos têm e da importância de que pessoas absolutamente idôneas os ocupem. Nós, jornalistas, devemos rasgar as coloridas embalagens do marketing e mostrar a realidade. Com suas luzes e suas sombras.

    Entusiasmaram-se os leitores com a possibilidade de se criar um Placar da Corrupção. Não deixemos a peteca cair! Façamos um periódico mapa dos escândalos: o que aconteceu com os protagonistas do banditismo, as ações concretas ou as omissões dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Não se trata de transformar a imprensa num contrapoder, mas numa instância, talvez a única, talvez a última, de uma sociedade abandonada por muitas de suas autoridades.

    Inauguremos, também, o Mapa das Promessas. É muito fácil. Basta recorrer aos arquivos e bancos de dados. Os políticos, pródigos em soluções de palanque, não costumam perder o sono com o rotineiro descumprimento da palavra empenhada. Afinal, para muitos deles, infelizmente, a política é a arte do engodo. Além disso, apostam na amnésia coletiva. Ao jornalismo de qualidade, desengajado e independente, cabe assumir o papel de memória da sociedade.

    As coberturas não podem ser pautadas pelas assessorias de comunicação dos políticos, e sim pelo interesse do cidadão. Vamos falar do futuro, dos projetos, dos planos. Mas vamos também falar do passado, das coerências e das ambiguidades. E, sobretudo, não nos deixemos seduzir pelas estratégias do marketing que ameaçam transformar a política num show de chavões populistas e num triste espetáculo de inconsistência.

    A corrupção é um câncer que deve ser enfrentado por todos: jornalistas, magistrados e cidadãos. Chegou a hora do STF e do jornalismo de buldogues. Chegou a sua hora, amigo leitor.

    DOUTOR EM COMUNICAÇÃO, PROFESSOR DE ÉTICA E DIRETOR DO MASTER EM JORNALISMO
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    Carlos Alberto Di Franco
     
    O Grupo News Corporation, um dos maiores conglomerados de mídia do mundo, perdeu US$ 7 bilhões em valor de mercado com o escândalo de grampos telefônicos na Grã-Bretanha. E a derrocada se deu em quatro dias. Assustador? Não. É assim mesmo. No negócio de comunicação, setor extremamente sensível, o principal ativo tem um nome bem preciso: credibilidade. A confiança numa marca editorial demora décadas para ser edificada. Reclama ética, coerência e muito trabalho. O jornal, como certeiramente relembra o jornalista Ruy Mesquita, “é artesanato”. Exige permanente controle de qualidade. Uma escorregada pode destruir uma bela saga. Não é exatamente o caso das empresas de Rupert Murdoch, um empresário marcado por um pragmatismo que não combina com as renúncias que a ética impõe aos que pretendem fazer algo mais do que simplesmente ganhar dinheiro. Claro que se deve monetizar o negócio da informação. A independência, base da credibilidade, pressupõe saúde financeira. Mas não a qualquer preço. A renúncia aos valores éticos, aparentemente lucrativa no curto prazo, é um tiro na credibilidade e, consequentemente, um suicídio empresarial.
     
    Os gigantes tombam. E Rupert Murdoch começou a descida para a terra das sombras que a vida reserva aos que negociam valores e princípios. O News of the World, tabloide dominical do diário The Sun, chegou ao fim de seus 168 anos de existência como consequência do escândalo da violação do sigilo de telefones celulares de políticos, celebridades, esportistas e até da família real. O tabloide, com tiragem de cerca de 2,8 milhões de exemplares, deixou de circular. Não existe poder capaz de controlar os efeitos de uma grave crise ética. É crime e castigo. Não há possibilidade de absolvição.
     
    Mas não apenas os grandes delitos derrubam jornais. Os pequenos descuidos, somados a certa leniência corporativa, acabam minando o prestígio e comprometendo o sucesso. Autor do mais famoso livro sobre a história de um ícone do jornalismo mundial (O Reino e o Poder – Uma História do New York Times), Gay Talese põe o dedo em algumas chagas que ameaçam a credibilidade da imprensa. Vale uma reflexão.
     
    “Não fazemos matéria direito, porque a reportagem se tornou muito tática, confiando em e-mail, telefones, gravações. Não é cara a cara. Quando eu era repórter, nunca usava o telefone. Queria ver o rosto das pessoas. Não se anda na rua, não se pega o metrô ou um ônibus, um avião, não se vê, cara a cara, a pessoa com quem se está conversando”, conclui Talese. Hoje temos muita tecnologia e pouco jornalismo. É jornalismo sem rosto e sem alma.
     
    Jornalismo de qualidade pode se transformar em uma expressão contraditória em si mesma. Boa parte do noticiário de política, por exemplo, não tem informação. Está dominado pela fofoca e pelo espetáculo. Não tem o menor interesse para os leitores. Não resolve nada, não questiona nada, não melhora a vida das pessoas. O desinteresse crescente dos leitores com as páginas de política está em relação direta com o excesso de aspas, a falta de apuração, a crise da reportagem e a substituição de matéria jornalística por transcrição rotineira de fitas.
     
    O uso de grampos como material jornalístico virou, infelizmente, ferramenta de trabalho. A velha e boa reportagem foi sendo substituída por dossiê. É preciso ter cuidado, muito cuidado, com a fonte que voluntariamente procura o repórter. O grampeamento, além disso, continua sendo um delito. Independentemente das tentativas de minimizar a gravidade da sua prática, continuo achando que o melhor fim não justifica nenhum meio. De uns tempos para cá, no entanto, o leitor passou a receber dossiês que, frequentemente, não se sustentam em pé. Como chegam, vão embora. São chuva de verão. Curiosamente, quem os publica não se sente obrigado a dar nenuma satisfação ao leitor. Dossiê deveria ser ponto de partida, pauta. Entre nós, virou piloto automático.
     
      Enquanto esperamos o próximo dossiê, frequentemente encaminhados por fontes interessadas, tratamos de reproduzir declarações entre aspas, de repercutir frases vazias de políticos experientes na arte de manipular a imprensa. O jornalismo está virando show. Urge combater as manifestações do jornalismo declaratório e assumir, com clareza e didatismo, a agenda do cidadão. É preciso cobrir com qualidade as questões que influenciam o dia-a-dia das pessoas. É importante fixar a atenção da cobertura não mais nos políticos e em suas estratégias de comunicação, mas nos problemas de que os cidadãos estão reclamando.
     
     Repórteres carentes de informação especializada e de documentação apropriada acabam sendo instrumentalizados pela fonte. Sobra declaração leviana, mas falta apuração rigorosa. A incompetência foge dos bancos de dados. Na falta da pergunta inteligente, a ditadura das aspas ocupa o lugar da informação. O jornalismo de registro, burocrático e insosso, é o resultado acabado de uma perversa patologia: o despreparo de repórteres e a obsessão de editores com o fechamento. Quando editores não formam os seus repórteres; quando a qualidade é expulsa pela ditadura do deadline; quando o planejamento é uma abstração; quando as pautas não nascem da vida real; quando não se olha nos olhos dos entrevistados, está na hora de repensar todo o processo.
     
     A autocrítica interna deve, além disso, ser acompanhada por um firme propósito de transparência e de retificação dos nossos equívocos. Uma imprensa ética sabe reconhecer os seus enganos. Reconhecer o erro, limpa e abertamente, é o pré-requisito da qualidade e, por isso, um dos alicerces da credibilidade. 
     
    Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br), professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com). E-mail: Este endereço de e-mail está sendo protegido de spambots. Você precisa habilitar o JavaScript para visualizá-lo.

    O Globo
    Opinião - Pirataria

    MÁRCIA CUNHA

    A pirataria é um dos maiores problemas socioeconômicos e está presente em 95% dos países. É crime praticado por grandes organizações criminosas e está relacionado ao tráfico de armas e de entorpecentes, à corrupção, à sonegação fiscal e à lavagem de dinheiro.

    A escala em que está sendo praticada a pirataria, que é responsável por 10% do comércio mundial e não para de crescer, não pode deixar de preocupar e levar à reflexão. Ao lado da forte demanda por produtos pirateados, há outros atrativos para o crime.

    Primeiro, piratear é barato. Produzir um produto pirata custa menos da metade da produção do produto original, pois simplesmente se copia o que outros levaram anos para desenvolver. Além disso, a matéria-prima usada tem origem criminosa, muitas vezes roubada ou contrabandeada;

    O segundo atrativo é a lucratividade. Com demanda altamente aquecida e baixo custo, o lucro é elevado, sendo 60% maior do que o obtido com o tráfico de drogas;

    O terceiro atrativo é a impunidade, pois a pirataria conta, se não com a aprovação, com a leniência da sociedade. Em 66% das aquisições de produtos piratas, o consumidor sabe exatamente o que está comprando. Geralmente, em 44% das operações em que é vítima, os produtos são medicamentosos, alimentares e de higiene, porque o consumidor associa o consumo desse tipo de produto pirata a riscos para a sua saúde e da sua família.

    Numa sociedade em que o maior valor não é ser, mas sim ter, o que fazer, quando não se pode ter? Aparentar ter! Mas não é apenas aquele que não pode adquirir um produto original, em razão do elevado preço, que consome pirataria. Recentemente, um jornal publicou que um ex-ministro de Estado foi visto comprando um DVD pirata. É evidente que o tal ex-ministro não fez a compra por necessidade econômica.

    Inúmeras são as razões que podem tê-lo levado a comprar o DVD pirata, mas pesa muito a aprovação social desse crime.

    A pirataria já representa movimentação de US$ 1,1 trilhão e estima- se que até 2015 atinja US$ 1,7 trilhão, impedindo a geração de 20 milhões de empregos por ano, nos vinte países mais ricos do mundo. Mas, além das campanhas de esclarecimento, são necessárias ações legislativas, com o recrudescimento das penas e dos procedimentos penais, bem como ações policiais, especialmente de controle de fronteiras, portos e aeroportos que possibilitam grandes apreensões, e o combate diuturno nos pontos mais que conhecidos nas grandes cidades, onde se vendem produtos piratas. Sem essas medidas de educação, prevenção e repressão, perenes, não vamos alcançar qualquer vitória contra esse crime, e as consequências serão avassaladoras.

    MÁRCIA CUNHA é juíza da 2a- Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

    O Estado de S.Paulo
    Opinião - Imprensa

    11 de julho de 2011

    Carlos Alberto di Franco - O Estado de S.Paulo

    O jornalista Rosental Calmon Alves é um fenômeno de renovação permanente. Começou a sua carreira de jornalista em 1968. Entre outros veículos, passou pelas Rádios Tupi e Nacional, no Rio de Janeiro, e pelas revistas IstoÉ e Veja. No Jornal do Brasil foi correspondente em Madri, Buenos Aires, Washington e Cidade do México. Em 1995 foi o responsável pelo lançamento da primeira versão para a internet de um jornal brasileiro: o JB Online. Um ano depois trocou as redações pela carreira acadêmica, tornando-se professor na Universidade do Texas, em Austin. Em 2002, criou o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas.

    Rosental, um carioca simpático e acolhedor - tenho saudade do nosso encontro em Austin -, surpreende por sua capacidade de adaptação às novas tecnologias. Sua visão de futuro foi reconhecida e homenageada durante o 6.º Congresso de Jornalismo Investigativo da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em São Paulo, no começo deste mês. Considerado um dos grandes teóricos do jornalismo online, ele chamou a atenção para os desafios a serem enfrentados pelos jornais neste momento de revolução digital.

    Segundo Rosental, o surgimento das redes sociais, como o Twitter e o Facebook, não mudou somente o jornalismo, mas também o mundo. "Nunca antes os avanços tecnológicos nos afetaram tanto e, consequentemente, afetaram a forma de fazer jornalismo", observou. "Há mais de uma década que eu venho alertando para isto: não dá mais para continuar fazendo jornais do mesmo jeito."

    Essa é uma nova realidade que as grandes empresas de mídia precisam aceitar, ponderou: "Hoje a comunicação não é mais vertical, unidirecional, com a internet ela passou a não ter limites. Outra diferença é que a audiência não é mais passiva, não se trata mais de um monólogo, é preciso haver uma constante troca de informações entre os leitores e o jornal".

    Rosental Calmon Alves foi ao ponto. Precisamos, todos, fazer uma urgente autocrítica. E a primeira reflexão nos leva a depor as armas da arrogância e assumir a batalha da humildade. A comunicação, na família, nas relações sociais e no jornalismo, não é mais vertical. O diálogo é uma realidade cultural. Ainda bem. Os oráculos morreram. É preciso ouvir o leitor. Com respeito. Com interesse real, não como simples jogada do marketing. O leitor não pode ser tratado como um intruso.

    Os jornalistas precisam escrever para os leitores, e não para os colegas. Alguns cadernos culturais parecem produzidos numa bolha. Falam para si mesmos e para um universo cada vez mais reduzido, pernóstico e rarefeito. O jornal precisa ter a sábia humildade de moldar o seu conceito de informação, ajustando-o às autênticas necessidades do público a que se dirige.

    Falta humildade, sem dúvida. Mas falta, sobretudo, qualidade. O nosso problema, ao menos no Brasil, não é de falta de mercado, mas de incapacidade de conquistar uma multidão de novos leitores. Ninguém resiste à matéria inteligente e criativa. Em minhas experiências de consultoria, aqui e lá fora, tenho visto uma florada de novos leitores em terreno aparentemente árido e pedregoso. O problema não está na concorrência dos outros meios, embora ela exista e não possa ser subestimada, mas na nossa incapacidade de surpreender e emocionar o leitor. Os jornais, prisioneiros das regras ditadas pelo marketing, estão parecidos, previsíveis e, consequentemente, chatos.

    A juventude foge dos jornais. Falso. Evitam, sim, os produtos que pouco falam ao seu mundo real. Milhões de jovens, em todo o mundo, vibram com as aventuras de O Senhor dos Anéis e com a saga de Harry Potter. São milhares de páginas impressas. Mas têm pegada. Escancaram janelas para a imaginação, para o sonho, para a fantasia. Transmitem, ademais, valores. Ao contrário do que se pensa, os jovens reais, não os de proveta, manifestam profunda carência de âncoras morais. Os jornais que souberem captar a demanda conseguirão, sem dúvida, renovar a sua clientela.

    A revalorização da reportagem e o revigoramento do jornalismo analítico devem estar entre as prioridades estratégicas. É preciso seduzir o leitor com matérias que rompam com a monotonia do jornalismo declaratório. Menos Brasília e mais vida. Menos aspas e mais apuração. Menos frivolidade e mais consistência. Além disso, os leitores estão cansados do baixo-astral da imprensa brasileira. A ótica jornalística é, e deve ser, fiscalizadora. Mas é preciso reservar espaço para a boa notícia. Ela também existe. E vende jornal. O leitor que aplaude a denúncia verdadeira é o mesmo que se irrita com o catastrofismo que domina muitas de nossas pautas.

    Precisamos, enfim, combater a síndrome ideológica que ainda persiste em alguns guetos anacrônicos. Seu exemplo mais acabado é a patologia dos rótulos. Alguns jornalistas não perceberam que o mundo mudou. Insistem, teimosamente, em reduzir a vida à pobreza de quatro qualificativos: direita, esquerda, conservador, progressista. Tais epítetos, estrategicamente pendurados, têm dupla finalidade: exaltar ou afundar, gerar simpatias exemplares ou antipatias gratuitas. A boa reportagem é sempre substantiva. O adjetivo é o adorno da desinformação, o farrapo que tenta cobrir a nudez da falta de apuração. É, sempre, uma fraude.

    É importante que os repórteres e os responsáveis pelas redações tomem consciência desta verdade redonda: a imparcialidade (que não é neutralidade) é o melhor investimento. O leitor quer informação clara, corajosa, bem apurada. Não devemos sucumbir à tentação do protagonismo. Não somos construtores de verdades. Nosso ofício, humilde e grandioso, é o de iluminar a História.

    DOUTOR EM COMUNICAÇÃO, É PROFESSOR DE ÉTICA E DIRETOR DO MASTER EM JORNALISMO
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