O Estado de S.Paulo
    Opinião - Censura

    24 de setembro de 2012 |

    O Estado de S.Paulo

    Tal qual a Hidra de Lerna, cujas cabeças decepadas se regeneravam em dobro, a censura à imprensa no Brasil demonstra notável capacidade de se renovar. O último episódio ocorreu em Macapá, onde um juiz eleitoral mandou que a S.A. O Estado de S. Paulo, empresa que edita o Estado, retirasse do blog do jornalista João Bosco Rabello, no portal estadão.com.br, um comentário a respeito da eleição na cidade.

    Na nota em questão, intitulada Um prefeito sob controle judicial, Rabello, diretor da sucursal do Estado em Brasília, informou que o prefeito Roberto Góes (PDT), candidato à reeleição em Macapá, teve sua campanha limitada por restrições judiciais. Ele responde à ação penal por ter sido preso em flagrante, em setembro de 2010, por porte ilegal de arma de fogo. Além disso, ele passou dois meses preso graças à operação "Mãos Limpas", da Polícia Federal (PF), que desbaratou uma quadrilha que atuava em todas as instâncias de poder no Amapá. Rabello informou que Góes cumpre acordo judicial - ele não pode frequentar locais públicos e não pode sair do Estado por mais de um mês sem autorização judicial. Seus advogados, informou Rabello, dizem que ele ainda não foi condenado - sendo, portanto, um "ficha-limpa" - e pode fazer campanha como qualquer outro candidato.

    Pois bem. A defesa de Góes entendeu que a memória do caso envolvendo o prefeito não era "contemporânea", ou seja, faz parte do passado. Portanto, ao "trazer os fatos à memória do eleitor", como diz a petição à Justiça, o blog de Rabello não tem outro objetivo senão "sujar a figura e a reputação do representante perante o eleitorado". Por essa lógica excêntrica, os advogados do prefeito trabalharam para censurar informações cuja veracidade eles não contestam, mas que consideram impertinentes neste momento. E o juiz eleitoral auxiliar Adão Joel Gomes de Carvalho a aceitou, arrematando o absurdo.

    Embora espantoso, o caso de Macapá não é isolado. Em 2010, um juiz eleitoral do Tocantins, Liberato Póvoa, impôs censura prévia a diversos veículos de comunicação, entre eles o Estado, para impedi-los de publicar informações sobre possíveis fraudes no governo de Carlos Gaguim (PMDB), então candidato à reeleição. A coligação que apoiava o governador alegou que o noticiário sobre o escândalo favorecia a oposição, "constituindo uso indevido dos meios de comunicação". O desembargador Póvoa - que teve a mulher e a sogra nomeadas por Gaguim para cargos públicos - considerou as notícias "difamatórias".

    Para estabelecer a censura, Póvoa invocou o "segredo de Justiça", conceito constantemente deturpado para banalizar a mordaça. Foi esse contorcionismo jurídico que embasou a decisão do desembargador Dácio Vieira, do Distrito Federal, de impedir o Estado de publicar notícias sobre a investigação da PF acerca de supostas ilegalidades cometidas pelo empresário Fernando Sarney, filho do senador José Sarney. Tal censura perdura há mais de 1.100 dias.

    A situação da liberdade de imprensa no Brasil ainda está longe de se comparar à de vizinhos populistas como Venezuela, Equador e Argentina, nos quais a intimidação da imprensa é notória e cotidiana. No entanto, abundam no Brasil os casos de censura judicial,como demonstrou Paulo de Tarso Nogueira, integrante do Comitê Executivo da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), na última Assembleia-Geral da entidade. Ocorrem vetos absurdos não somente em relação ao noticiário supostamente negativo contra este ou aquele político, mas também contra a divulgação de pesquisas eleitorais supostamente desfavoráveis a determinadas candidaturas, como aconteceu neste ano no Ceará e em Mato Grosso do Sul. "É crescente a ampliação do poder discricionário de magistrados, especialmente os de primeiro grau, no julgamento de ações de antecipação de tutela e direito de resposta", disse Nogueira, enfatizando o óbvio atentado à liberdade de imprensa.

    Por ocasião da censura no Tocantins, o professor de jornalismo Eugênio Bucci, da USP, perguntou: "O que impede amanhã que toda a imprensa seja censurada?". Como demonstra agora o caso de Macapá, tal questão continua perigosamente válida.

    O Estado de S.Paulo
    Opinião - A Voz do Brasil

    20 de setembro de 2012
    O Estado de S.Paulo

    Um dos mais antigos "entulhos autoritários" do Brasil tornou a provar sua capacidade de resistência. No mês passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou a obrigatoriedade de transmissão do programa A Voz do Brasil pelas emissoras de rádio de todo o País, de segunda a sexta-feira, das 19 às 20 horas. O ministro Antonio Dias Toffoli, que aceitou recurso da União, julgou legal a determinação de formação de cadeia nacional de radiodifusão para o programa, que é porta-voz dos Três Poderes. Com isso, anulou decisão do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, que havia permitido a uma emissora de rádio do Paraná transmitir A Voz do Brasil em horário de sua escolha.

    Além de tentar liberar o horário da transmissão, a emissora de rádio procurou demonstrar que sua obrigatoriedade é inconstitucional. Para isso, entrou com recurso no STF invocando o artigo 220 da Constituição, segundo o qual "a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição". A União, por sua vez, argumenta que a Constituição lhe faculta a competência de explorar os serviços de radiodifusão, de acordo com o artigo 21, o que confirmaria o caráter obrigatório de A Voz do Brasil. Toffoli aceitou esse entendimento e acrescentou que a decisão do tribunal regional divergiu de "orientação pacífica" do STF a respeito do tema.

    Assim, o Supremo apenas reafirmou a constitucionalidade de A Voz do Brasil. A outra parte de sua decisão diz respeito ao horário em que o programa deve necessariamente ser transmitido, conforme previsto na Lei 4.117, de 1962 - algo que, no entendimento do STF, também foi "recepcionado" pela Constituição. Diante disso, resta esperar que o Congresso elabore uma nova lei para, ao menos, eliminar uma obrigação que é imposta às emissoras desde os tempos da ditadura Vargas, a pretexto de dar publicidade aos atos de governos nos mais remotos pontos do País. Mas, a julgar pela histórica indisposição dos parlamentares de abrir mão do palanque franqueado por A Voz do Brasil, trata-se de uma quimera.

    "Macaco não costuma serrar o galho onde está pendurado", definiu Acácio Costa, da rádio Estadão ESPN, em recente evento da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) que abordou o assunto. A última tentativa de flexibilizar o horário de A Voz do Brasil ocorreu em junho, quando uma proposta chegou a ser incluída na pauta de votação da Câmara, graças a um acordo entre líderes partidários - e que tinha o apoio declarado do ministro Paulo Bernardo (Comunicações). O projeto estabelecia que as emissoras poderiam começar a transmitir o programa a qualquer momento entre 19 e 22 horas, conforme os interesses de cada rádio. No entanto, a votação foi bloqueada pelo PT. Para o líder petista na Câmara, Jilmar Tato (SP), A Voz do Brasil faz parte da identidade nacional: "O povo está ouvindo. Quem não quer ouvir coloca um CD. Pobre gosta de ouvir". Para o deputado, as emissoras só querem o horário "para ganhar dinheiro com publicidade", como se isso fosse um crime.

    A Voz do Brasil existe desde 1935 - criada no governo de Getúlio Vargas com o nome de Hora do Brasil e com o objetivo de integrar o País em torno da ditadura que então se configurava. Esse caráter autoritário foi convenientemente explorado pelo regime militar a partir de 1964 e sobreviveu na transição para a democracia, travestido de "informação institucional". Seus defensores dizem que se trata de uma abertura necessária para que os Poderes da República prestem contas de seus atos, embora haja uma enorme gama de veículos de comunicação à disposição desses Poderes, no rádio, na TV e na internet.

    A título de enquadrar-se nos novos tempos, o programa revestiu-se de truques de comunicação - a protofonia da ópera O Guarani, que é a marca do programa, foi remixada em ritmo de forró e de bossa-nova, para parecer moderninha, e até a famosa frase de abertura, "Em Brasília, 19 horas", foi trocada por um informal "Sete da noite, em Brasília". Mas a velha fórmula oportunista permanece: do programa se aproveitam políticos em busca de votos e um governo que alardeia, sem o contraditório, suas façanhas.

    O Globo
    Opinião - Eleições

    LUIZ GARCIA

    É uma praxe em quase todos os países que vivem sob regimes democráticos: nos meses de campanha eleitoral, entram em ação empresas que ganham a vida descobrindo, por meio de pesquisas de opinião, o que vai na cabeça dos cidadãos. Usam as mesmas técnicas empregadas para descobrir se o pessoal está interessado num novo tipo de sabonete.

    Há quem defenda que declarações de voto antecipadas de alguma maneira prejudicam a lisura do processo eleitoral. Seria, pode-se especular, uma forma de induzir eleitores indecisos a apoiar os candidatos mais citados nas pesquisas. Quem não acredita nisso pode argumentar que as pesquisas são simplesmente a constatação de uma tendência do eleitorado.

    Pode-se dizer que a mídia dedica boa parte de seu tempo nas temporadas eleitorais a identificar os favoritos e os sem chance. A divulgação de pesquisas seria simplesmente uma constatação de tendências e decisões já tomadas por uma parte dos eleitores.

    Na campanha atual, pela primeira vez a Justiça Eleitoral tomou posição a respeito. No Ceará, um juiz proibiu a divulgação de pesquisas de intenção de voto na disputa pela prefeitura de Fortaleza. E o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná vetou a publicação de intenções de voto na disputa pela prefeitura de Curitiba.

    São decisões discutíveis, tanto que, no caso do Ceará, o TRE derrubou a decisão do juiz. Considerando-se que as pesquisas são honestas, o fato de que o eleitorado está tendendo para este ou aquele candidato é uma notícia legítima. Tanto pode ser apurada por especialistas em pesquisas como pelo trabalho da mídia.

    E os cidadãos têm o direito de saber o que a massa do eleitorado está pensando sobre a campanha. Se a sua decisão de voto é influenciada por esse tipo de informação é um problema seu. Ninguém tem o direito de mantê-los no escuro.

    Além disso, o veto à divulgação de pesquisas sugere ao eleitor, mesmo que não exista intenção disso, que elas não seriam autênticas, intencionalmente ou não. Tanto as empresas especializadas em aferir as opiniões dos cidadãos como os órgãos da mídia que publicam o resultado desse trabalho estão implicitamente acusados de incompetência ou coisa pior. Em nenhum dos dois casos esse tipo de suspeita é justificado.

    Gazeta do Povo - Curitiba
    Opinião - Jornalistas

    SÍNTESES – A EXIGÊNCIA DO DIPLOMA DE JORNALISMO

    OPINIÃO 2
    Publicado em 11/09/2012 | ANA PAULA DA ROSA

    Quanto vale um diploma? Quanto vale uma formação superior? Muitos diriam que um diploma não tem preço; outros, que o documento é o que importa. Para os jornalistas, um diploma é mais que um documento que representa uma titulação: é sinal de uma luta de anos pelo reconhecimento de uma profissão tão necessária para a democracia brasileira e para o desenvolvimento do país como o Direito, a Medicina ou as licenciaturas.

    O ofício do jornalismo vai além da mera redação; estende-se para a produção da informação e o registro de um real só acessível a muitos de nós pelas páginas e sites de jornais. No entanto, há uma desvalorização histórica do fazer do jornalista que aos poucos parece estar sendo revertida. Vladimir Herzog foi morto durante a ditadura e tornou-se símbolo do jornalismo que vai até as últimas consequências em nome de um ideal. Talvez por isso a categoria não tenha esmorecido diante da queda da obrigatoriedade do diploma, decidida em 2009 pelo Supremo Tribunal Federal.

    De um lado, entendo os argumentos do STF, pois não é o diploma que faz o profissional; mas isso independe de profissão. No entanto, o jornalismo demanda muito mais que conhecimentos práticos – que são, ressalto, cruciais –; há saberes que só podem ser obtidos nos bancos escolares. Na rotina da redação, cada vez mais enxuta, raros são os momentos para discutir problemas socioeconômicos, pensar o cenário do digital e compreender a sociedade que se representa. Muitas vezes, as tendências jornalísticas implantadas por meio de projetos gráficos, de linguagem e textuais nada mais são que reflexos de dados coletados e produzidos por pesquisadores da área que, na academia, pensam o jornalismo e podem contribuir para que novos jornalistas tenham condições não de reproduzir práticas, mas de produzir conhecimento e informação de pertinência social.

    A aprovação pelo Senado da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 33/2009, que torna obrigatório o diploma para o exercício do jornalismo, é um avanço no amadurecimento do país em termos de liberdade de imprensa. Pelo texto da PEC, colaboradores e comentaristas sem vínculo empregatício poderão continuar atuando, mas a reportagem, a pauta, a produção da notícia em essência, estas tarefas caberão ao profissional capacitado, com traquejo para ser “os olhos da nação”, como já defendia Rui Barbosa.

    Sinto-me feliz com a possibilidade de reversão da medida tomada pelo STF por dois motivos: primeiro, porque um curso de Jornalismo é um aprendizado sobre a sociedade, o nosso laboratório cotidiano: ruas, cidades, estados e, essencialmente, pessoas que abrem suas vidas. Segundo, porque desde 2009 em nenhum momento senti que minha formação havia sido em vão ou inócua, ainda que muitos preferissem perguntar para que serviria um diploma de Jornalismo. Acostumei-me a responder que um diploma, seja de Jornalismo, seja de Administração, não determina o homem, mas ajuda a construir suas bases.

    Em um país que luta por democracia e igualdade de direitos, calar os jornalistas por meio do descrédito de sua profissão é o mesmo que optar pela volta da ditadura, em versão não física, mas a canetadas. Esperamos que os deputados tenham a mesma lucidez do Senado e apoiem a PEC, pois quem ganha é o ensino, é o jornalismo, mas, acima de tudo, é o cidadão.

    Ana Paula da Rosa, jornalista, é coordenadora do curso de Jornalismo na Universidade Tuiuti do Paraná.

    Folha de São Paulo
    Opinião - Informação

    JORGE HAGE

    Há vários exemplos: autuações do Ibama, doações eleitorais, os votos do Copom, os salários do setor público e até o caso de boxeadores de Cuba deportados

    É lugar-comum, mas apenas meia verdade, a afirmação de que as leis não mudam nada.

    A verdade inteira parece ser que as leis, sozinhas, não são suficientes para alterar a realidade, se não passam de um texto sobre papel. Mas quando uma lei nasce de um anseio real da sociedade e encontra, da parte do poder público, efetiva disposição para implementá-la, aí o resultado pode, sim, ser uma intervenção transformadora no mundo real.

    Veja-se o que está ocorrendo com a Lei de Aceso à Informação -a lei 12.527 de 2011.

    Em pouco mais de três meses, ela já serviu para atender a mais de 30 mil pedidos de cidadãos, somente perante órgãos federais, universo monitorado pelo Sistema Eletrônico da Controladoria-Geral da União (CGU). Perto de 90% desses pedidos já foram respondidos (em média, na metade do prazo legal) e 80% o foram positivamente. O percentual de recursos -que significam respostas insatisfatórias- não chega a 7%.

    Até aí, poderíamos concluir apenas que essa foi uma "lei que pegou". Mas isso não é tudo. Ela vem produzindo efeitos para além dos que decorrem de seu estrito cumprimento (o que já não seria pouca coisa). E vem provocando a divulgação espontânea de informações de grande relevo para a sociedade.

    Os exemplos são vários. Logo na entrada em vigor, o Banco Central resolveu abrir a íntegra dos votos nas decisões do Copom; depois, foi o Ministério da Defesa que abriu documentos do Estado-Maior das Forças Armadas entre 1946 e 1991; o Arquivo Nacional escancarou documentos da ditadura; o Ibama divulgou as empresas autuadas por biopirataria; o Planejamento abriu as informações sobre imóveis funcionais; e o Governo Federal garantiu total transparência aos salários de 570 mil servidores civis e 350 mil militares.

    Abrem-se, assim, uma após outra, várias das antigas "caixas pretas" do Estado Brasileiro, além da divulgação que já promovíamos, no Portal da CGU, onde o leitor pode ver, na manhã de hoje, todos os gastos e investimentos federais feitos até a noite de ontem. Por esses avanços é que o governo brasileiro é, hoje, um dos mais transparentes do mundo. E continuamos avançando.

    No tocante ao atendimento de pedidos específicos, vale destacar, por exemplo, a decisão do Ministro da Justiça, afastando o sigilo dos processos sobre a deportação dos boxeadores cubanos após o Pan de 2007; e a do Ministro da Defesa, abrindo as informações sobre a exportação de armamentos.

    Mas nada se equipara, em importância para o aperfeiçoamento dos nossos costumes políticos e, portanto, para a redução da corrupção, à recente decisão da ministra Carmen Lúcia, presidente do TSE, de adotar, em âmbito nacional, o que já fizera o juiz Marlon Reis, no interior do Maranhão: a divulgação das doações, de empresas ou pessoas físicas, aos candidatos e aos partidos políticos, antes das eleições, e não apenas depois, como se fazia até agora.

    É a primeira vez que isso ocorre no país e é uma decisão histórica, que deve ser saudada por todos quantos se interessem pelo progresso de nossas instituições políticas e pelo combate à corrupção.

    Enquanto não avançamos mais, rumo à total vedação do financiamento empresarial do acesso aos cargos eletivos -que está na raiz da corrupção- é fundamental dar o máximo de transparência a esse financiamento.

    E isso tem que acontecer, é claro, antes da eleição, como determinou o TSE com base na nova Lei de Acesso à Informação, para que o eleitor, ao votar, já saiba, pelo menos, quem está financiando quem.

    JORGE HAGE, 74, é ministro-chefe da Controladoria-Geral da União

    O Globo
    Opinião - Jornalistas

    Uma falsa polêmica

    TEMA EM DISCUSSÃO: a validade do diploma de jornalista
    NOSSA OPINIÃO

    A recente aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição a fim de restabelecer a exigência do diploma em curso superior, concedido por faculdade de Comunicação, para o exercício da profissão de jornalista, é parte de uma polêmica que se arrasta desde 2001.

    Naquele ano, o Ministério Público investiu contra a obrigatoriedade, instituída por decreto-lei, em 1969, pela ditadura militar, com o argumento de que a regra contrariava o direito constitucional à liberdade de expressão.

    Transcorreu uma guerra de liminares até que, oito anos depois, o Supremo Tribunal Federal acolheu o argumento, e a exigência de um diploma específico para o trabalho em meios de comunicação foi extinta.

    Os sindicatos do setor resolveram explorar o caminho da PEC, uma rota tortuosa, por se contrapor a uma decisão da mais alta Corte do país, tomada, claro, com base na própria Carta.

    Não há registro de que o Congresso discuta com profundidade o mérito da PEC. Se debatesse, tomaria conhecimento de que, durante todo o longo tempo em que o diploma esteve suspenso, devido a liminares, não ocorreu qualquer alteração substancial no perfil de contratações pelas empresas jornalísticas.

    Os estudantes de faculdades de Comunicação são, e continuarão a ser, os preferidos nos estágios para formandos nas redações.

    O curso universitário lhes capacita no manejo de ferramentas básicas da profissão, em qualquer meio — texto, imagem e som —, algo valorizado pelos empregadores.

    O fim do cartório do diploma de jornalista não conspira contra o curso superior. Ao contrário, pois, acabado o monopólio das faculdades de Comunicação, os estabelecimentos do ramo, para continuarem a ser procurados por aspirantes ao jornalismo, precisarão melhorar a qualidade dos cursos. Ganham todos: as boas faculdades, os alunos e as redações.

    O Supremo acertou ao acolher as razões para o fechamento do cartório do diploma com base no direito à liberdade de expressão. O STF entendeu que, por não existir necessidade de qualquer conhecimento específico técnico, científico para o exercício da profissão, aquele decreto-lei limitava esta liberdade.

    É fato, e o ministro do Supremo Ricardo Lewandowski, ao votar pelo fim da obrigatoriedade do diploma, estabeleceu uma relação entre o decreto de 69 e a preocupação do generais em controlar a imprensa.

    Mas, fora aspectos políticos, a própria vertiginosa modernização tecnológica no universo da comunicação força as redações a recrutar profissionais de múltiplas áreas do conhecimento.

    Se o jornalismo, por tratar de todo tipo de assunto, sempre necessitou de múltiplas formações acadêmicas, agora, com a diversificação de meios de rápida difusão de informações, esta necessidade foi ampliada. Mas não em prejuízo daqueles que se formam no aprendizado básico do instrumental do ofício.

     Eugênio Bucci - O Estado de S.Paulo

    Além de jornalista, sou professor universitário. Dou aula em faculdades de Jornalismo, por vocação e também por prazer, por gosto. Há ainda uma justificativa política para essa minha escolha: acredito ser possível melhorar a imprensa no Brasil e para isso o estudo, a pesquisa e o ensino podem desempenhar papel relevante. Embora a profissão de jornalista ainda deva muito aos autodidatas, alguns brilhantes, não é mais concebível formar editores e repórteres sem que eles passem pela escola. A formação acadêmica impõe-se, a cada dia mais, como um ingrediente indispensável da imprensa de qualidade. No mais, tudo o que possa prestigiar e aprimorar os cursos de Jornalismo no Brasil conta com o meu apoio.


    Exatamente por isso, por defender uma escola de excelência, não concordo com a ideia de fazer do diploma um documento obrigatório para que um cidadão possa editar o seu jornal, em papel ou na internet. Eu apenas acredito que esse cidadão terá horizontes mais promissores se tiver passado por boas faculdades.

    Não devo estar de todo errado. Nos EUA, país onde não há exigência de diploma para que alguém trabalhe numa redação de jornal, os estudantes de Columbia saem praticamente empregados do curso de Jornalismo - que, por sinal, não é um curso de graduação, mas de pós-graduação. Lá existem boas escolas de Jornalismo - que são boas justamente porque não são obrigatórias: os estudantes que as procuram estão mais interessados no conteúdo que aprenderão do que no certificado, no canudo que receberão ao final do ciclo.

    Henry Luce e Briton Hadden são ícones da imprensa americana. Cursaram Direito, não Jornalismo. Foram colegas de classe em Yale. Tinham por volta de 25 anos de idade quando fundaram a revista Time, em 1923. Naquele tempo, vamos lembrar, já existiam cursos de Jornalismo nos EUA (o de Columbia já tinha pouco mais de dez anos de vida), mas eles preferiram estudar Direito mesmo.

    Obrigar jornalistas a ter diploma de graduação em Jornalismo não tem sentido. Não conheço um único país democrático que imponha essa obrigação. Mesmo a França, que tem legislações severas, não é tão dura. Nessa matéria somos um caso único no mundo. Aqui, em 1969, a Junta Militar que mandava no País impôs a obrigatoriedade do diploma. O Decreto-Lei 972, de 17 de outubro de 1969, assinado pelo general Aurélio de Lira Tavares (ministro do Exército), pelo almirante Augusto Rademaker (ministro da Marinha) e pelo brigadeiro Márcio de Sousa e Melo (ministro da Aeronáutica), além de Jarbas Passarinho, que respondia pela pasta do Trabalho e Previdência Social, tornou obrigatório o diploma para os profissionais de imprensa. Sejamos claros: não foi por amor à liberdade de expressão que os ditadores - adeptos da censura e da tortura - baixaram o Decreto-lei 972. Eles queriam apenas impor mais obstáculos ao exercício profissional, assim como pretendiam criar controles governamentais - via Ministério do Trabalho - sobre a atividade jornalística.

    Até 2009 a imposição da Junta vagava por aí, como um zumbi jurídico, quando foi finalmente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por ampla maioria (8 votos contra 1). O decretão se foi, mas a mentalidade sindical-corporativista a que ele deu origem permaneceu e está prestes a reabilitar a velha obrigatoriedade. Em sua maioria, nossos sindicalistas são bem-intencionados e sérios, dedicados à defesa da nossa categoria profissional, mas não se deram conta de que, ao defender uma velha ordem, antinatural, podem defender, mesmo que inadvertidamente, o prolongamento de deformações retrógradas. A imposição do diploma não apenas não ajuda a imprensa, como cerceia os direitos dos que, sem serem jornalistas formados, como Henry Luce e Briton Hadden não eram, têm a intenção de criar e editar uma publicação.

    No início deste mês, essa mentalidade cravou uma vitória estarrecedora no Senado Federal: por 60 votos contra 4 - apenas 4 -, os senadores aprovaram a "PEC do diploma", uma emenda constitucional que insere, no artigo 220 da nossa Carta Magna, a exigência do curso superior de Jornalismo para o exercício da profissão. É incrível: a atrocidade que a Junta Militar perpetrou pela ferramenta bruta do decreto nossa atual democracia está perto de reeditar por meio de norma constitucional. Agora, se a Câmara dos Deputados aprovar o texto, será assim e ponto. Como é matéria constitucional, não cabe o veto da Presidência da República.

    Em 2006 tivemos mais sorte. Naquele ano nossos parlamentares aprovaram algo bem parecido, o Projeto de Lei 79/2004, que definia mais de 20 funções privativas de jornalistas diplomados, entre elas a assessoria de imprensa, o magistério em faculdades de Jornalismo e o fotojornalismo. Sabiamente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou integralmente o projeto. Agora a chamada "PEC do diploma" vem para se vingar do bom senso de Lula em 2006 - e da decisão do STF em 2009.

    Vale perguntar: o governo de Dilma Rousseff apoia a "PEC do diploma"? A julgar pela passividade dos senadores governistas, parece que sim.

    A justificativa da PEC, além de voltar a insistir na tese maluca de que a assessoria de imprensa é função jornalística, argumenta que as tarefas do jornalista são tão complexas ("incluem responsabilidade social, escolhas morais profissionais e domínio da linguagem especializada") que só um sujeito diplomado daria conta de realizá-las. Na condição de professor de Jornalismo, eu discordo. Uma pessoa sem diploma pode ser jornalista, assim como pode ser presidente da República. O problema da República e da imprensa não é esse. Vamos tratar do que é essencial. Vamos deixar a imprensa livre cuidar de melhorar a escola, o que é urgente. Será melhor para o Brasil e, principalmente, para os jornalistas.

    * JORNALISTA,  É PROFESSOR DA ECA-USP DA ESPM

    Diariamente são divulgados pesquisas e estudos que mostram o quanto a população está sujeita a riscos. Dano causado por consumo excessivo de sódio e açúcar. Possibilidade de desenvolvimento de doenças graves pelo uso exagerado de celulares. Aumento do consumo de produtos que podem causar problemas de saúde, entre outros exemplos que mostram o quanto é arriscado viver nos dias de hoje. Vivemos a era da informação, com os seus benefícios e dilemas.

    Nesse cenário aparece a publicidade, informação comercial que tem gerado tanta polêmica, principalmente quando voltada para crianças e adolescentes. Mas será que proibir a publicidade de alimentos e bebidas acabará com obesidade infantil e com o consumo de álcool na adolescência? Será que simplesmente tirando do ar a publicidade, tiraremos das crianças e adolescentes o desejo de consumir? Será que restringir a propaganda resolverá todos os problemas da nossa sociedade ou estamos atacando apenas a ponta visível de um iceberg muito maior e mais complexo?

    É evidente que crianças e adolescentes mereçam atenção e cuidados especiais e tenham direito a proteção enquanto consumidores, mas exemplos recentes mostram que proibir a publicidade não é a melhor solução. Toda proibição, além de não inibir o consumo, gera distorções econômicas e sociais onde o maior prejudicado é o consumidor, seja ele criança, adolescente ou adulto.

    Ciclo virtuoso da informação

    São incontáveis os exemplos da melhoria na qualidade de vida das pessoas quando bem informadas. Mensuráveis são, também, os resultados positivos de campanhas na mídia que ajudaram no desenvolvimento de políticas públicas de educação, saúde, higiene e prevenção do uso de drogas.

    Em um terreno mais amplo, o direito à informação, com o respeito ao princípio fundamental da liberdade de expressão, é o alimento das sociedades livres, da construção de um homem totalmente saudável, de corpo e de espírito.

    A experiência vivida nos últimos anos, porém, desperta dúvidas sobre a segurança do modelo de liberdade de expressão consolidado pela Constituição de 1988. Os exemplos vêm crescendo exponencialmente, representando um perigo real aos direitos individuais e uma verdadeira ameaça ao exercício da liberdade de escolha e da livre circulação de informação.

    Embora os impactos dessas medidas sejam mais perceptíveis em setores que já sofrem com o excesso de regulação, o cerceamento desse direito constitucional afeta toda a sociedade, inibe a criatividade e a inovação, abala a livre iniciativa e coloca em risco a democracia.

    Afeta também a economia, uma vez que o bom funcionamento dos mercados depende da manutenção de condições que preservem a concorrência. Quanto maior a concorrência, o fluxo de informação e a liberdade de consumidores em tomar decisões sem a interferência do Estado, melhor será o funcionamento do mercado e o bem estar resultante.

    Seguindo o principio positivo gerado pela liberdade de expressão, a informação comercial promove um ciclo virtuoso onde o cidadão é o maior beneficiado ao receber ferramentas que o ajude a fazer escolhas mais conscientes e próximas das suas necessidades, ao mesmo tempo em que fomenta a inovação e o investimento na melhoria da qualidade dos produtos, criando a boa concorrência entre as empresas.

    Educação e conscientização

    É importante ressaltar, ainda, que não são necessárias novas leis ou normas para regular a informação comercial e, sim, que a autorregulamentação setorial é o melhor caminho, uma vez que já existem leis que coíbem práticas ilegais e abusivas, tais como a Constituição, o Código de Defesa do Consumidor, além da experiência extremamente bem sucedida do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), com mais de 30 anos de história.

    No entanto, o que estamos vivendo nos últimos tempos é uma onda regulatória, que na maioria das vezes acaba não atingindo o resultado esperado pelo regulador, mas, sim, gerando inúmeros distúrbios aos setores afetados por essas medidas, como mostra o estudo intitulado “Efeitos econômicos das restrições impostas à informação publicitária“,elaborado pela Tendências Consultoria Integrada para o Instituto Palavra Aberta.

    A conclusão é que a cada nova regulamentação a economia é afetada e os seus efeitos são praticamente nulos nos hábitos de consumo, com prejuízo para o consumidor que passa a ter menos informação. O estudo mostra que, qualquer que seja o modelo adotado, este deve estar pautado por uma relação clara entre qualidade da regulação e crescimento econômico de longo prazo, tendo como premissas a neutralidade, a simplicidade e o respeito ao funcionamento dos mercados partindo do princípio da voluntariedade e da propaganda positiva.

    O efeito oriundo de medida voluntária (e positiva) é pró-mercado e não gera distorções econômicas. É, ao mesmo tempo, pró-consumidor porque assegura o direito à informação, garantido pela Constituição Federal.

    Pensando bem, a realidade nos ensina que é melhor educar do que proibir, conscientizar em lugar de reprimir. E isso vale para o público infantil, adolescente ou adulto, como também para fabricantes de produtos de consumo e profissionais de comunicação. É a educação e a conscientização que realmente fortalecem uma sociedade, o que torna imperativo a criação de novos paradigmas de informação, inspirado nos valores maiores da liberdade de expressão.

    Por Patricia Blanco, presidente-executiva do Instituto Palavra Aberta  
    Publicado em 07/08/2012 no Observatório da Imprensa

    Papel da imprensa Eleições

    Seg, 06 de Agosto de 2012 Clipping

    Carlos Alberto di Franco - O Estado de S.Paulo

    Estamos em ano eleitoral. Prefeitos e vereadores estão, teoricamente, próximos da vida dos cidadãos. Seus acertos e erros repercutem intensamente no cotidiano da cidadania. eleitor, portanto, deve ficar esperto. Campanhas milionárias, promessas irrealizáveis e imagens produzidas farão parte, mais uma vez, do marketing dos candidatos. Assistiremos, diariamente, a um show de efeitos especiais produzido para seduzir o grande público, mas, no fundo, vazio de conteúdo e carente de seriedade. O marketing, ferramenta importante para a transmissão da verdade, pode, infelizmente, ser transformado em instrumento de mistificação. Estamos assistindo à morte da política e ao advento da era da inconsistência. Os programas eleitorais gratuitos vendem uma bela embalagem, mas, de fato, são paupérrimos na discussão das ideias. Nós, jornalistas, somos (ou deveríamos ser) o contraponto a essa tendência. Cabe-nos a missão de rasgar a embalagem e desnudar os candidatos. Só nós, estou certo, podemos minorar os efeitos perniciosos de um espetáculo audiovisual que certamente não contribui para o fortalecimento de uma democracia verdadeira e amadurecida. As pesquisas eleitorais podem contribuir para o estabelecimento do debate cívico. Elas representam uma manifestação concreta do direito à informação e democratizam o processo eleitoral. Mas a importância das pesquisas não elimina a necessidade do seu aprimoramento, sobretudo no que diz respeito à sua divulgação pela mídia. De fato, os problemas não costumam estar nas pesquisas (os institutos brasileiros de pesquisa têm tradição de profissionalismo), mas na maneira como são interpretadas e divulgadas. O protagonismo excessivo das pesquisas na mídia empurra para segundo plano o debate das ideias, dos planos de governo e das políticas públicas. A participação da imprensa na divulgação dos resultados das pesquisas influi decididamente na configuração da opinião pública e da vida democrática. Impõem-se, por isso, cuidado redobrado e, sobretudo, bom adestramento técnico dos jornalistas quanto ao procedimento das pesquisas. É um equívoco reduzir a cobertura política à mera reprodução dos índices fornecidos pelos institutos de pesquisa. Trata-se, é certo, de atitude que brota de uma reta intenção: transmitir um quadro isento do momento eleitoral. Tal decisão, no entanto, tem seu reverso e exige, talvez, uma mudança de orientação. O simples registro das pesquisas pode apresentar um quadro superficial da realidade. Ocultam-se, por exemplo, aspectos relevantes do perfil dos candidatos, as forças que os sustentam, a consistência de suas propostas. Por isso, uma cobertura de qualidade será, antes de mais nada, uma questão de foco. É preciso declarar guerra ao jornalismo declaratório e assumir, efetivamente, a agenda do cidadão. O nosso papel é ouvir as pessoas, conhecer suas queixas, identificar suas carências e cobrar soluções dos candidatos. Não se pode permitir que as assessorias de comunicação dos políticos definam o que deve ou não ser coberto. O centro do debate tem de ser o cidadão, as políticas públicas, não mais o político, tampouco a própria imprensa. Na prática, não obstante a teoria da agenda-setting (Maxwell McCombs e Donald Shaw, formuladores da hipótese, afirmam que o debate público é determinado pelas pautas dos jornalistas) atribuir à imprensa influência decisiva na determinação da agenda do público, tal poder, de fato, passou a ser exercido pelos políticos. O jornalismo de registro, pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real. Precisamos fugir do espetáculo e fazer a opção pela informação. Só assim, com equilíbrio e didatismo, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório. Não basta um painel dos candidatos, é preciso cobrir a fundo as questões que influenciam o dia a dia das pessoas. É importante fixar a atenção não nos marqueteiros e em suas estratégias de imagem, mas na consistência dos programas de governo. É necessário resgatar o inventário das promessas e cobrar coerência. O drama das cidades (segurança, educação, saúde, saneamento básico, iluminação, qualidade da pavimentação das ruas, transporte público de qualidade, responsabilidade fiscal, entre outros) não pode ficar refém de slogans populistas e de receitas irrealizáveis. Os candidatos devem mostrar capacidade de gestão, experiência, ousadia e criatividade. O leitor espera uma imprensa combativa, disposta a exercer seu intransferível dever de denúncia. Quer um quadro claro, talvez um bom infográfico, que lhe permita formar um perfil dos candidatos: seus antecedentes, sua história de vida, seu desempenho em cargos atuais e anteriores. Impõe-se também um bom levantamento das promessas de campanha. É preciso mostrar os eventuais descompassos entre o discurso e a realidade. Trata-se, na verdade, de levar adiante um bom jornalismo de serviço. Os políticos, pródigos em soluções de palanque, não costumam perder o sono com o rotineiro descumprimento da palavra empenhada. Afinal, para muitos, infelizmente, a política é a arte do engodo. Além disso, contam com a amnésia coletiva. O jornalismo de qualidade deve assumir o papel de memória da cidadania. Precisamos falar dos planos e do futuro. Mas devemos também falar do passado, das coerências e ambiguidades. Transparência nos negócios públicos, ética, qualificação e competência são as principais demandas da sociedade. E são também as pautas de uma boa cobertura eleitoral. Deixemos de lado a pirotecnia do marketing e não nos deixemos aprisionar pelas necessárias pesquisas eleitorais. Nosso papel, único e intransferível, é ir mais fundo. A pergunta inteligente faz a diferença. E é o que o leitor espera de nós.

    DOUTOR EM COMUNICAÇÃO, É DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO DO INSTITUTO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS SOCIAIS. E-MAIL: Este endereço de e-mail está sendo protegido de spambots. Você precisa habilitar o JavaScript para visualizá-lo. endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.

    por Luciana Kraemer*  
    Publicado em 25 de julho de 2012 no jornal Zero Hora

    O pesquisador argentino Silvio Waisbord tem contribuído teoricamente para o campo do jornalismo investigativo e destacado o papel que este modelo ocupa na democracia. Segundo ele, as matérias investigativas fornecem um mecanismo importante para monitorar o funcionamento das instituições democráticas, como órgãos do governo, empresas públicas e agentes públicos. Não por outro motivo, diz outro pesquisador e jornalista, também argentino, Daniel Santoro, é o ramo jornalístico que mais tem confrontado o poder.

    Na carta da editora do último domingo, a diretora de redação da ZH afirmou que o jornal fez uma opção por buscar com mais frequência o enquadramento associado ao Jornalismo Investigativo. Mais do que um selo, uma expressão que carimba matérias exclusivas, parece haver compreensão de que o jornalismo investigativo implica um fazer diferenciado, em que fatores como trabalho em equipe, processo de apuração, tempo, técnicas de busca e de cruzamento de informações, são fundamentais. É uma escolha que reivindica capacitação dos profissionais, saída dos repórteres da função diária, organização da equipe, portanto, investimento, o que não se tem visto nesta área específica ultimamente.

    No último congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, Cleofe Monteiro de Sequeira, uma das precursoras no estudo do jornalismo investigativo no Brasil, lembrou um estudo de 1995, feito por Manoel Carlos Chaparro, onde o autor analisava o percentual de reportagens investigativas dos jornais de maior tiragem do Brasil: o primeiro da lista não havia produzido mais do que 2,5% do total das matérias daquele ano. Em outro trabalho, que se constituiu na tese de doutorado do jornalista gaúcho Solano Nascimento, foram analisadas reportagens feitas em três grandes revistas semanais de grande circulação nacional nos cinco anos em que houve eleição para presidência, que compreendem o período de 1989 a 2006. A constatação foi que as reportagens investigativas caíram de 75% para 30% e as baseadas em investigação oficial (reportagem sobre investigação) aumentaram de 25 para 70%. Os fatores que explicam estes dados são diversos, há que se considerar também que o jornalismo investigativo ganha força no Brasil a partir da redemocratização, e que o campo teórico também está se constituindo.

    A própria definição de jornalismo investigativo admite uma variedade de enquadramentos, vai desde o método de apuração, passando pela busca por irregularidades envolvendo governo ou autoridades políticas, descortinamento de algo que se quer esconder. Ao revelar falta de transparência e má gestão do recurso público, colabora para a accountability, expressão que se relaciona com controle público e responsabilização. A opção pelo jornalismo investigativo, portanto, interessa aos jornalistas e tem relação direta com o leitor e o eleitor: pode ser um instrumento importante de cobrança, de tomada de decisão e de escolha consciente.

    *Professora de Jornalismo da Unisinos e Centro Universitário Metodista IPA, diretora da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo)

    Jornalismo e violência

    OPINIÃO DO DIA 1
    Publicado em 23/07/2012 | CARLOS ALBERTO DI FRANCO

    Impressiona-me o crescente espaço destinado à violência nos meios de comunicação. Catástrofes, tragédias, crimes e agressões, recorrentes como chuvaradas de verão, compõem uma pauta sombria e perturbadora. A violência não é uma invenção da mídia. Mas sua espetacularização é um efeito colateral que deve ser evitado. Não se trata de sonegar informação. Mas é preciso contextualizá-la. A overdose de violência na mídia pode gerar fatalismo e uma perigosa resignação. Não há o que fazer, imaginam inúmeros leitores, ouvintes, telespectadores e internautas. Acabamos, todos, paralisados sob o impacto de uma violência que se afirma como algo irrefreável e invencível. E não é verdade.

    Os que estamos do lado de cá, os jornalistas, carregamos nossas idiossincrasias. Sobressai, entre elas, certa tendência ao catastrofismo. Mas, mesmo em épocas de crise (e estamos vivendo uma gravíssima crise de segurança pública), é preciso não aumentar desnecessariamente a temperatura. À gravidade da situação, inegável e evidente, acrescenta-se uma dose de espetáculo e uma indisfarçada busca de audiência. O resultado final é a potencialização da crise. Precisamos, ademais, valorizar editorialmente inúmeras iniciativas que tentam construir avenidas ou ruelas de paz nas cidades sem alma. Entidades, universidades e pessoas isoladas diariamente se empenham na recuperação de valores fundamentais: o humanismo, o respeito à vida, a solidariedade. São pautas magníficas. Embriões de grandes reportagens. Denunciar o avanço da violência e a falência do Estado no seu combate é um dever ético. Mas não é menos ético iluminar a cena de ações construtivas que, sem alarde ou pirotecnias do marketing, colaboram, e muito, na construção da cidadania. É fácil fazer jornalismo de boletim de ocorrência. Não é tão fácil contar histórias reais, com rosto humano, que mostram o lado bom da vida.

    A juventude, por exemplo, ao contrário do que fica pairando em algumas reportagens, não está tão à deriva. A delinquência está longe de representar a maioria esmagadora da população estudantil. A juventude real, perfilada em várias pesquisas e na eloquência dos fatos, está identificando valores como amizade, família, trabalho. Há uma demanda reprimida de normalidade. Superadas as fases do fundamentalismo ideológico, marca registrada dos anos 60 e 70, e o oba-oba produzido pela liberação dos anos 80 e 90, estamos entrando em um período mais realista e consistente. A juventude batalhadora sabe que não se levanta um país na base do quebra-galho e do jogo de cintura. O futuro depende de esforços pessoais que se somam e começam a mudar pequenas coisas.

    A nova tendência tem raízes profundas. Os filhos da permissividade e do jeitinho sentem intensa necessidade de consistência profissional e de âncoras éticas. O Brasil do corporativismo, da impunidade do dinheiro e da força do sobrenome vai, aos poucos, abrindo espaço para a cultura do trabalho, da competência e do talento.

    A violência está aí. E é brutal. Mas também é preciso dar o outro lado: o lado do bem. Não devemos ocultar as trevas. Mas temos o dever de mostrar as luzes que brilham no fim do túnel. A boa notícia também é informação. E, além disso, é uma resposta ética e editorial aos que pretendem fazer do jornalismo um refém da cultura da violência.

    Carlos Alberto Di Franco, diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS, www.iics.edu.br) e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia.

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