Valor Econômico
    Legislação & Tributos - Publicidade

    Por Luís Roberto Barroso

    Proibir anúncio é uma forma autoritária e equivocada de proteger e de educar

    Um projeto de lei aprovado pela Assembleia Legislativa de São Paulo impunha restrições à publicidade de alimentos e bebidas, consumidos pelo público infantil, que contivessem alto teor de açúcar, gordura ou sódio. O projeto foi fundamentadamente vetado pelo governador. Dentre outras razões, a disciplina da publicidade é reservada à lei federal (Constituição, art. 22, XXIX). Vale dizer: leis estaduais ou municipais não podem proibir publicidade, por determinação constitucional expressa. Essa regra aumenta a visibilidade e a abrangência do debate, evita a multiplicidade de regimes jurídicos e reduz o risco de restrições arbitrárias.

    O precedente de São Paulo assume uma importância ainda maior pelo fato de a mesma discussão estar sendo desenvolvida em outros Estados e até mesmo em alguns municípios. Em quatro deles - Belo Horizonte, Florianópolis, Goiás e Rio de Janeiro - já houve projetos igualmente vetados com fundamentação semelhante. Segundo os defensores desse tipo de iniciativa, o objetivo central é a proteção das crianças, que seriam mais vulneráveis ao efeito persuasivo da mídia e acabariam sendo induzidas ao consumo exagerado. Um propósito certamente legítimo e desejável. No entanto, o maniqueísmo é quase sempre uma representação precária e distorcida da verdade. Ninguém é contra a promoção da saúde infantil. A questão é definir como isso deve ser feito e de que forma esse objetivo deve ser conciliado com outros, também relevantes.

    Nas sociedades abertas e plurais, é frequente que interesses legítimos, protegidos pela Constituição, entrem em tensão, quando não em rota de colisão. É assim em toda parte do mundo. Quando isso acontece, deve-se fazer uma ponderação, buscando a compatibilização e o equilíbrio possível entre as situações contrapostas. No caso aqui comentado, estavam em jogo, de um lado, a proteção da criança e do adolescente e, de outro, a liberdade de expressão e informação, que são associadas à publicidade comercial.

    Crianças devem ser protegidas e educadas. Como consequência, não devem estar sujeitas a propaganda enganosa ou abusiva. Tampouco devem ser alvo de anúncios de produtos impróprios para o consumo infantil, como cigarros e álcool. Jovens, ademais, devem ser advertidos dos riscos do excesso de açúcar, de gordura ou de sal, bem como ser incentivados a combinar alimentos saborosos com outros que sejam também saudáveis. Mas proibir anúncio de chocolate, doce de leite ou guaraná é uma forma autoritária e equivocada de proteger e de educar.

    A publicidade é um componente importante da liberdade de expressão, de informação e da livre iniciativa. Como qualquer direito, não tem caráter absoluto e está sujeita a limites. Além de reservar a competência ao Congresso Nacional, a Constituição institui também um parâmetro relacionado ao conteúdo das leis que venham a tratar da matéria. Segundo o dispositivo constitucional pertinente, o papel do Poder Público não é o de escolher o que pode ou não ser veiculado, e sim o de estabelecer meios legais que permitam à pessoa e à família se defenderem da publicidade de produtos potencialmente nocivos. Com esses meios, os eventuais abusos podem ser controlados, inclusive pelo Conar, órgão de autorregulação da propaganda.

    É bom que seja assim. Em uma sociedade democrática, o papel central do Estado não é o de trocar a liberdade por manuais de instruções para a existência, e sim o de criar condições para a escolha consciente. Mas o projeto de lei vetado pelo governador não incentivava a informação, o esclarecimento ou a moderação. Ele faz parte da cultura da proibição e, sobretudo, da cultura da censura prévia, da qual nunca nos libertamos inteiramente no Brasil. Adultos que não cresceram em liberdade procuram, inconscientemente, reproduzir o mundo em que viveram.

    A vida boa é feita de virtudes, prazeres legítimos e riscos calculados. Crianças, portanto, devem ser ensinadas a ter caráter, a não sofrer com culpas desnecessárias e a ser prudentes, mas não medrosas. Ensinar a viver é, em primeiro lugar, obrigação da família. O Estado, por certo, é um coadjuvante importante, mas deve evitar o paternalismo exacerbado e moralismos diversos. Querer impor uma infância sem doce é uma condenação imprópria do desejo natural, e não uma forma de educar para a vida em equilíbrio e harmonia.

    Nossos filhos não devem ser enganados e devem ser esclarecidos sobre os riscos da vida. Inclusive os riscos do autoritarismo e do pensamento único, que fazem mais mal do que o açúcar. Por outro lado, devem poder desfrutar dos contentamentos típicos da infância. Ao pretender viver a vida das famílias para poupá-las dos riscos, o Estado não apenas deixa de educar para o exercício responsável da liberdade, como priva as crianças da fantasia e da alegria, matérias-primas essenciais para uma vida feliz.

    Luís Roberto Barroso é professor titular de direito constitucional da UERJ

    O Estado de S.Paulo
    Opinião - Mídia

    O Estado de S.Paulo

    Um acordo entre os principais partidos da Grã-Bretanha abriu caminho para a instituição de um código de conduta que imporá pesadas sanções a jornais que cometerem abusos. As maiores associações de imprensa do país reagiram com preocupação. Elas concordam que o atual sistema de autorregulamentação requer melhorias e defendem que a irresponsabilidade jornalística deve ser castigada com rigor, mas não aceitam que essa punição seja imposta por uma entidade vinculada, ainda que apenas parcialmente, ao Estado. Para o jornal The Telegraph, "os parlamentares cruzaram o Rubicão da regulamentação da imprensa", isto é, avalizaram o restabelecimento da normatização estatal dos jornais após 318 anos de total autonomia.

    Essa regulamentação é resultado do escândalo causado pelo jornal News of the World, do magnata Rupert Murdoch. Em julho de 2011, a publicação foi fechada, depois de 138 anos de existência, diante da revelação de que seus jornalistas e sua direção estavam envolvidos na violação do sigilo telefônico de artistas, políticos e integrantes da família real, entre outras pessoas. O número de vítimas da sanha desse jornalismo de esgoto chegou às centenas, inclusive uma menina de 13 anos, Milly Dowler, que havia sido sequestrada e assassinada. O jornal grampeou o celular de Milly e chegou a apagar mensagens do aparelho, dando a impressão, para a família e para a polícia, de que ela ainda estava viva, prolongando o drama para vender mais alguns milhões de exemplares do News of the World.

    Fechado o jornal por decisão de Murdoch, foi instaurado um inquérito, a pedido do governo, cujas conclusões deveriam servir para encontrar mecanismos mais eficientes para conter o sensacionalismo dos tabloides. O relatório final recomendou o estabelecimento de um organismo independente dos jornais para fiscalizá-los, uma vez que, na opinião de representantes de vítimas da imprensa irresponsável, o atual sistema é totalmente falho.

    Movidos pelo clamor popular, que não costuma ser bom conselheiro, os principais partidos acertaram então a criação de uma entidade que, uma vez oficializada, terá poder de aplicar multas de até 1 milhão de libras, cerca de R$ 3 milhões, e de mandar publicar retratações com destaque. Os jornais não serão obrigados a aderir ao sistema, mas os que ficarem de fora sofrerão penas ainda mais severas.

    A regulamentação não se dará na forma de lei comum, mas de uma Carta Real, por meio da qual a rainha autoriza a abertura de novas instituições. Para alterar esse estatuto, é necessário o apoio de dois terços do Parlamento. Segundo os defensores do novo regime, tal cláusula dificultará a adoção de emendas que, no futuro, possam tornar ainda mais rígida a regulamentação da imprensa.

    Essas garantias não bastaram para tranquilizar as empresas de comunicação, para as quais o novo código, se aprovado, dará às autoridades instrumentos para prejudicar jornais que julguem inconvenientes.

    A Newspaper Society, que representa 1.100 jornais, disse que as multas milionárias serão um "fardo pesado demais" para muitos veículos e que "uma imprensa não pode ser livre se tiver de prestar contas a um órgão regulador reconhecido pelo Estado". A Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) seguiu a mesma linha: "Uma entidade reguladora estabelecida pelo governo, não importa quão independente seja, ameaça a liberdade de expressão". Para a OSCE, o caso do News of the World deveria ser tratado como uma questão criminal, e não como desculpa para constranger toda a imprensa.

    No século 18, os libelistas que expuseram os podres da corte francesa às vésperas da revolução e que, por essa razão, foram perseguidos em seu país, encontraram total liberdade de atuação justamente na Inglaterra - onde, desde 1695, não havia nenhum empecilho ao trabalho da imprensa. Não fosse isso, talvez a realeza francesa tivesse preservado a cabeça. No resto do mundo, os políticos e as autoridades que têm algo a esconder nunca gostaram da imprensa livre e sempre procuram meios para combatê-la. Esse "costume", infelizmente, parece ter chegado à Grã-Bretanha.

    Estado de São Paulo - Artigo

    Eugênio Bucci *

    Tudo caminha "nos conformes" para a aprovação, agora no início de junho, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que restabelece a obrigatoriedade do diploma de jornalista para quem queira trabalhar na imprensa. Depois de uma semana particularmente movimentada, em que políticos e magistrados falaram em "crise" entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário - o vice-presidente da República, Michel Temer, preferiu chamar o episódio de "pequeno incidente", dando-o por encerrado -, eis aqui uma iniciativa parlamentar nada amistosa. Por meio dela, deputados e senadores não apenas contestam, mas trabalham abertamente para sepultar uma decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal (STF).

    Perto dessa PEC, os fatores que geraram o mal-estar na semana que passou - como o projeto que, se aprovado, deveria levar a República a simplesmente fechar o Supremo, nas palavras do ministro Gilmar Mendes - são café pequeno. Aliás, não foi custoso deixá-los para trás, depois que as cúpulas dos dois Poderes confraternizaram para acertar seus ponteiros. Com a PEC restauradora do diploma obrigatório para o exercício do jornalismo a conversa é mais séria e ficará mais séria ainda. Contrariando o julgamento proferido legitimamente pela Corte Suprema, a PEC do diploma, como já se tornou conhecida nos corredores do Congresso Nacional, uma vez aprovada, vai produzir um novo e mais constrangedor impasse entre os dois Poderes.

    Recapitulemos a história. No dia 17 de junho de 2009, por ampla margem (8 votos contra 1), os ministros do STF derrubaram a exigência do diploma de curso superior de Comunicação Social com habilitação em jornalismo para a prática da profissão. A decisão atendia, então, ao Recurso Extraordinário 511.961, movido pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo (Sertesp) e pelo Ministério Público Federal (MPF). Gilmar Mendes, designado relator do caso, entendeu que o Decreto-Lei 972/69, editado durante a ditadura militar, o tal que impôs o diploma obrigatório, afrontava a Constituição federal. Naquela sessão, o único voto contrário ao relator veio do ministro Marco Aurélio Mello.

    Para que o leitor acompanhe melhor o raciocínio dos ministros do Supremo na ocasião, podemos resumir aqui o argumento que prevaleceu. Sua lógica é cristalina: nenhum obstáculo de ordem legal deve impedir o cidadão de criar publicações jornalísticas ou de se manifestar publicamente em qualquer veículo. Se um grupo de pescadores ou de moradores de rua pretende criar seu próprio jornal, na internet ou em papel, tanto faz, não deveria precisar contratar um "jornalista responsável" para isso. Qualquer pessoa deve ser livre para criar seu próprio órgão de imprensa. A liberdade, enfim, não deve ser limitada por um "filtro legal" - e a exigência do diploma, aos olhos do Supremo, é um filtro, um obstáculo, uma barreira incompatível com o sentido profundo da Constituição federal. A obrigatoriedade, instituída em 1969, tinha um objetivo tão claro quanto autoritário: controlar de perto, por meio dos registros no Ministério do Trabalho, todos os que estivessem empregados em jornais. Só servia à ditadura. Agora, na democracia, não tem sentido. Exatamente por isso, não há obrigatoriedade do diploma de jornalista em nenhuma outra democracia. Isso só ocorreu no Brasil. Além disso, a obrigatoriedade do diploma cria um desnível entre os portadores desse diploma e os demais cidadãos: os primeiros teriam mais "liberdade" de atuar na imprensa do que os outros cidadãos - o que resulta num privilégio francamente inconstitucional.

    Após a decisão daquele 17 de junho de 2009, portanto, a Nação deveria compreender que a questão estava encerrada. Transitada em julgado. Foi então que a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), movida pelo interesse - que, de resto, é legítimo - de proteger o emprego de seus associados (diplomados), vislumbrou um atalho para desfazer o julgado. A estratégia foi mais ou menos a seguinte: ora, se o Supremo diz que a exigência estabelecida pelo decreto de 1969 é inconstitucional, basta escrever a mesma exigência na Constituição - aí, a coisa fica devidamente constitucional. Isto posto, naquele mesmo ano de 2009 a PEC do diploma entrou em tramitação. E vai muito bem. Em agosto do ano passado foi aprovada no Senado com um placar esmagador: 60 votos contra apenas 4.

    Há quem se empolgue. Há quem acredite, candidamente, que ela vem para derrotar as intenções escorchantes dos patrões malvados que apoiaram a ditadura. O engano é imenso: a pior imprensa que o Brasil já teve, a mais submissa, a mais covarde, a mais mentirosa, aquela que sorriu para a censura e se sujeitou a publicar que brasileiros assassinados em sessões de tortura tinham morrido em tiroteios sempre se deu muito bem com a exigência do diploma. Outro equívoco, igualmente imenso, é supor que os jornais de hoje, que estão aí lutando para merecer o tempo e o dinheiro de seus leitores, têm planos de contratar analfabetos para redigir editoriais.

    Nenhum desses argumentos para em pé. A única razão real para a defesa da PEC do diploma é a proteção corporativista dos sindicatos de jornalistas - que, aliás, já não congregam os profissionais de imprensa. Um levantamento realizado Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina (em convênio com a Fenaj), que acaba de ser publicado, mostra que, dos jornalistas brasileiros, apenas 25,2% (entre os quais este articulista) são filiados a sindicatos.

    Sem nenhuma sustentação de interesse público, a aprovação da PEC do diploma é prejudicial para a qualidade da imprensa e para a normalidade institucional. Mais cedo ou mais tarde, o Supremo será chamado a julgar a constitucionalidade da nova emenda. Vem aí outra queda de braço entre magistrados e parlamentares.

    * Eugênio Bucci é jornalista e professor da USP e da ESPM.

    O Globo
    Opinião - Liberdade de Expressão

    DENIS ROSENFIELD

    Há hoje no Brasil e inclusive no mundo um excesso regulatório postulado pelo Estado, que está interferindo fortemente no cotidiano dos cidadãos e reduzindo sensivelmente a sua liberdade de escolha. Medidas administrativas e outras propriamente legais estão criando um emaranhado de regras que faz com que as pessoas sejam, progressivamente, tuteladas pela instância estatal.

    O problema maior reside em que essa tutela estatal se exerce insidiosamente, sendo, mesmo, apoiada por uma maioria da população que vê, nela, algo benéfico. São formas do politicamente correto, apresentadas como se o “bem” do cidadão estivesse sendo protegido. Por exemplo, a “saúde” é exibida como um bem maior que seria, desta maneira, imposto ao indivíduo como se fosse o seu próprio bem, algo oriundo de sua própria iniciativa.

    A questão se torna ainda mais complexa — e, poder-se-ia dizer, perigosa — pelo fato de essa imposição de regras dizer respeito à vida cotidiana das pessoas, destituindo-as, na verdade, da sua capacidade de decidir por si mesmas. A tutela estatal é, sem dúvida, uma coerção à liberdade.

    O Estado, assim, se coloca como uma espécie de instância moral que teria a função de formular normas que ditariam aquilo que o cidadão deve ou não fazer. A ação dos indivíduos estaria, então, submetida a um dever ser político que controlaria totalmente as pessoas. Tais medidas seriam implementadas a partir da noção aparente de que o bem dos cidadãos estaria sendo realizado, quando, de fato, o bem maior, a liberdade de escolha, estaria saindo progressivamente de cena. A tutela entra por uma porta, a liberdade sai pela outra.

    Convém aqui assinalar que um bem maior, na verdade, um princípio dos Estados democráticos, consiste na liberdade de escolha, que, essa sim, não pode ser objeto de cerceamento sob pena de que não se possa mais falar de sociedade livre. Uma coisa é o ato livre, bem maior, outra, os objetos sobre os quais incide a escolha.

    O grande problema consiste em que, quando a regulamentação dos objetos da escolha é de tal ordem, ela repercute sobre o próprio princípio.

    Um excesso de regulação sobre os objetos pode produzir efeitos adversos sobre o bem maior do livre arbítrio.

    Há uma grande confusão entre o Estado informar e tutelar. Cabe ao Estado, por exemplo, informar amplamente a população sobre malefícios, eventuais ou provados, que o consumo de determinados produtos tem sobre a vida das pessoas. Diria mesmo que é sua função própria mostrar aos cidadãos como, por exemplo, determinados objetos de sua escolha podem afetar a sua própria vida.

    Nesse sentido, deveria informar amplamente, mesmo através de campanhas publicitárias, sobre efeitos de consumo excessivo de determinados produtos sobre a vida e a saúde das pessoas. Nesse rol, poderiam entrar, por exemplo, álcool, gorduras, fumo, açúcar e sódio, entre outros objetos de consumo e/ou prazer.

    Agora, se o cidadão informado quiser, no exercício de sua liberdade de escolha, continuar consumindo esses produtos, trata-se de uma escolha pessoal, sobre a qual é inteiramente responsável, mesmo ao preço de sua saúde. O Estado informa, o cidadão escolhe.

    Dois fatos recentes ocorridos nos EUA são exemplares do ponto de vista da discussão em curso sobre a esfera de atuação estatal. Um, a decisão da Suprema Corte americana, amparada na Primeira Emenda, que trata da liberdade de expressão, relativa à colocação de imagens — de doença — nas carteiras de cigarro. O outro, a decisão da cidade de Nova York, capitaneada por seu prefeito, um ícone do politicamente correto, de banir o consumo, em bares, cafés e restaurantes, de garrafas de refrigerante com açúcar com conteúdo superior a meio litro.

    A decisão da Suprema Corte americana reafirma a liberdade de expressão e, desta maneira, a liberdade de escolha como um princípio dos Estados democráticos. Ela não versa sobre o objeto em questão, no caso o fumo, mas sobre um princípio que estaria sendo infringido pela agência de saúde americana. Essa teria, portanto, exorbitado de sua função, interferindo diretamente sobre um princípio constitucional. A Constituição não pode ficar à mercê de medidas tomadas por uma agência estatal que se arroga o direito de relativizar os próprios princípios sobre os quais se assenta a liberdade.

    Quando o Estado começa a interferir dessa maneira na vida dos cidadãos, ele não somente cerceia a liberdade de escolha — o que já seria enorme —, como termina criando distorções no que diz respeito à economia de mercado. Aumenta o mercado ilegal de produtos proibidos e os empresários e produtores rurais observam a sua livre iniciativa, assegurada constitucionalmente, ser amplamente restringida. As proibições só tendem, então, a crescer.

    A decisão da cidade de Nova York foi, por sua vez, baseada numa comissão de saúde que se arrogou a função de tomar medidas tutelares de redução da obesidade e de problemas de saúde a ela correlatos. No caso, a obesidade é apresentada como um grande problema nacional que seria, assim, enfrentado. Iniciativas desse tipo podem parecer boas para uma grande parcela da população, tornada, porém, cativa do Estado.

    O motivo é aparentemente nobre, reduzir a obesidade, que é um mal para a saúde, a sua consequência, tornar o cidadão um servo do Estado, seguindo as suas diretrizes e afetando fortemente a sua capacidade de escolha.

    Não caberia, por exemplo, o município, no caso, informar amplamente sobre os efeitos do consumo excessivo de açúcar em vez de estabelecer proibições?

    O problema consiste em que, quando as intervenções tutelares do Estado começam, o seu escopo de atuação torna-se literalmente indeterminado.

    E essa ampliação tutelar ilimitada é a grande causa do enfraquecimento da liberdade de escolha e, de modo geral, da democracia.

    Denis Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    CORREIO BRAZILIENSE

    Opinião - Mídia

    ARI CUNHA »
    Desde 1960

    Publicação: 04/10/2012

    A presidente da Argentina resolveu abolir as liberdades nas vias de comunicações. Jornal que critica Cristina Kirchner está sob protesto e ameaças. Como se não bastasse, ela começa a perseguir a empresa jornalística da maneira mais cruel que pode haver. Pede para que ninguém use o meio de comunicação. Exige que anunciantes não usem no periódico importante. Dor no coração do país. E tem mais. Dinheiro estrangeiro é vendido sob seu mando, e o preço quem faz é a chefe do governo.

    Desejo de Cristina é colocar o povo a seus pés. Argentino não suporta o fato. Quem conheceu o país e volta sente a diferença. Preços exorbitantes, povo triste, ruas rabiscadas, sujas. É que a presidente quer alcançar à força a popularidade que Evita Perón exibia. Ao chegar a qualquer solenidade, Evita era recebida com alegria dos presentes. Morreu com pouco mais de 30 anos. Ainda hoje o porte e a elegância estão na cabeça dos argentinos. Câncer malvado levou-a à morte ainda jovem. Ao contrário, Cristina Kirchner, viúva do ex-presidente, deixou o povo revoltado.

    A Casa Rosada tem cerco dia e noite e só entra quem é convidado ou combinou visita com antecedência. Vive rodeada de escudos contra o ódio do povo.

    Qua, 03 de Outubro de 2012

    O Estado de S.Paulo
    Coluna Conexão Global - Mídia

    Aplicação seletiva da lei da presidente Cristina Kirchner prejudica o estado de direito no país e tem implicações tétricas para a liberdade de expressão


    03 de outubro de 2012 |
    É DIRETOR DO GRUPO CLARÍN, , O MAIOR CONGLOMERADO DE MÍDIA , DA ARGENTINA, JORGE , RENDO, THE WASHINGTON POST, É DIRETOR DO GRUPO CLARÍN, , O MAIOR CONGLOMERADO DE MÍDIA , DA ARGENTINA, JORGE , RENDO, THE WASHINGTON POST - O Estado de S.Paulo

    O governo da presidente argentina, Cristina Kirchner, usando um vídeo transmitido pela TV estatal no mês passado, fez um ataque de quase cinco minutos ao Grupo Clarín, o maior conglomerado de mídia da Argentina. Esse foi o último de uma longa série de abusos.

    Diferentemente de ataques anteriores, a mensagem não foi a de que "o Clarín mente"ou que "não existe uma imprensa independente" - como Cristina afirmou em seu discurso de quarta-feira na Universidade Georgetown, em Washington.

    Dessa vez, durante o intervalo de uma partida de futebol com enorme audiência, o governo declarou que o Grupo Clarín era uma ameaça à democracia argentina e anunciou que a companhia será obrigada a leiloar um grande segmento de suas operações até o dia 7 de dezembro.

    A mensagem do governo foi assustadoramente simples: em dezembro, o Grupo Clarín será desmantelado. Todos os partidos políticos de oposição, a Sociedade Interamericana de Imprensa e organizações de mídia de todo o mundo criticaram a intervenção sem precedentes do governo da Argentina no mercado de mídia privado.

    Desmembramento. O governo argumenta que suas ações são necessárias por conta de uma lei de 2009, segundo a qual empresas de mídia não podem possuir simultaneamente empresas de TV e de mídia impressa e restringe o número de licenças que uma organização pode ter. O governo alega que o Grupo Clarín, cujas propriedades excederam os limites estabelecidos pela lei, precisa ser despojado imediatamente desses ativos ilegais.

    Essa alegação é falsa. Em primeiro lugar, a lei claramente estipula um período de carência de um ano que só começa a ser contado depois que os procedimentos legais são encerrados. E os procedimentos legais não só não foram esgotados como vários grupos do mercado de mídia argentino ficariam sujeitos à lei, mas somente o Clarín será obrigado a vender ativos.

    Cristina e seus aliados fazem ataques sistemáticos ao Clarín, aos seus acionistas e seus repórteres. A lei e sua implementação se tornaram mais um capítulo na batalha em curso contra uma das poucas empresas independentes de mídia que sobrou na Argentina.

    E nada indica que a Casa Rosada pare por aí depois de desmantelar o Grupo Clarín. O governo argentino tem usado, cada vez mais, sua influência política e econômica para favorecer seus aliados e atacar seus oponentes, incluindo economistas independentes que ousam publicar as estatísticas econômicas verdadeiras do país e não as adulteradas pelo Estado.

    Proporcionalidade. Os recursos publicitários do governo - que subiram de cerca de US$ 40 milhões, em 2003, para mais de US$ 600 milhões, no ano passado - são canalizados esmagadoramente para empresas de mídia favoráveis ao governo. O Grupo Spolski, pró-Kirchner, que tem uma circulação muito menor do que o Clarín, recebeu US$ 125 milhões em 2011, enquanto o Clarín recebeu US$ 3,3 milhões.

    O favorecimento é tão gritante que, em 2011, o jornal Perfil venceu uma ação na Suprema Corte argumentando que havia um tratamento altamente discriminatório na distribuição dos recursos publicitários na Argentina. O governo, porém, ainda não cumpriu a decisão judicial que cobra uma distribuição proporcional dos recursos públicos.

    Liberdade de expressão. Cristina deveria olhar para o exemplo dos EUA e seu comprometimento com a proteção das vozes de todo o espectro político. O presidente Barack Obama fez uma defesa empolgante da liberdade de imprensa na Assembleia-Geral das Nações Unidas, na semana passada.

    Ele argumentou com muita eloquência que os líderes políticos não tinham o direito de ficar melindrados com as críticas, dizendo que, nos EUA, incontáveis publicações provocam ofensas. Como presidente do país e comandante de suas Forças Armadas, ele aceita que pessoas lhe chamem de coisas horríveis todos os dias, mas sempre defenderá seu direito de fazê-lo.

    Assim como aceitamos os princípios de mercados abertos e competição justa, também apoiamos a noção de um mercado de ideias aberto na Argentina. A lei de 2009 pode ter um efeito positivo na mídia da Argentina, mas não pode ser aplicada seletivamente e usada como ferramenta para perseguir adversários.

    A aplicação seletiva da lei contra rivais políticos está erodindo o estado de direito, com implicações tétricas para a liberdade de expressão. Espero que a Argentina mude de rumo antes que seja tarde demais. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

    Correio Braziliense
    Brasil - Televisão

    ARTIGO »
    Chico Neto
    Publicação: 30/09/2012

    Triste setembro, este mês que, em seu penúltimo dia, amanheceu tornando órfã a televisão brasileira com a morte de Hebe Camargo. Se dependesse de sua vontade, a apresentadora ficaria mais tempo, conforme delarou na última vez em teve alta do hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde se tratava do câncer que a levou: “Se vocês achavam que eu ia embora, enganei vocês”. O que Hebe deixa para trás, além de um rastro de saudade, é uma lacuna difícil de preencher na telinha.

    Quem mais, afinal, com tanta propriedade, pode ser personagem de si próprio como ela foi? Depois da morte de Dercy Gonçalves, ficou com Hebe Camargo esse bastão. Guardadas as proporções, Hebe, assim como Dercy, era aquela que podia dizer verdades constrangedoras, algumas capazes de comprometer até o departamento comercial da empresa em que trabalhava, pelo simples e suficiente fato de ser quem era.

    “Minha vida sem a gargalhada da Hebe sempre por perto não vai ter graça”, postou, no Twitter, Rita Lee, uma das grandes amigas da apresentadora mais conhecida da tevê nacional. O sentimento deve ser o mesmo para os telespectadores. Na telinha desde a primeira transmissão oficial da tevê brasileira, ela se tornou, ao longo de tanto tempo, figura presente no cotidiano de milhões de famílias. Não por acaso, a jornalista Maria do Rosário Caetano sempre se referiu à apresentadora como “a rainha do sofá”.

    Seja na Rede TV!, onde trabalhou nos últimos dois anos, ou no SBT, emissora para a qual havia acertado seu retorno, Hebe Camargo já faz falta no panorama do nem sempre bem servido telespectador da televisão aberta. Principalmente em ano eleitoral, já que a apresentadora nunca economizou comentários dirigidos a políticos cuja atuação, de alguma forma, não contribuía para o bem-estar do povo ou, em outros casos, visivelmente prejudicava o cidadão brasileiro.

    Hebe não tinha papas na língua. Fez coro à nação criticando a equivocada posição de Severino Cavalcanti como presidente da Câmara dos Deputados, manifestando indignação com a impunidade de Jorgina de Freitas — autora da maior fraude à Previdência Social já registrada no país —, posicionando-se, enfim, como cidadã pagadora de impostos que não retornam em qualidade de vida.

    Também botou a boca no trombone quando Guilherme de Pádua, assassino de Daniella Perez, filha da autora de novelas Glória Perez, cumpriu um terço da pena, virou evangélico e ganhou a liberdade. “Eu quero mandar um recado para ele diante de todo o Brasil: seu assassino!”, esbravejou, em seu programa. Questionava, como muitos de nós, mortais comuns, determinadas decisões da justiça brasileira. A diferença é que, sendo figura pública, seus posicionamentos tinham raio de alcance maior. Abraçou causas delicadas: chegou a participar de uma passeata pedindo mais rigor para infrações cometidas por menores de idade.

    Para uma grande parcela de telespectadores, Hebe Camargo foi esse elo esclarecedor de que nem tudo é festa no país tropical. Vai fazer muita falta — o que, paradoxalmente, significa que marca forte presença entre nós. Dá até vontade de parafraseá-la, no elogio que, ao deixar o Albert Einstein em agosto, fez ao médico Antonio Luiz de Vasconcellos: “Essa criatura vai ter que colocar um par de asas”. Licença, Hebe. As asas são suas. Tomara que sua memória sobrevoe por muito tempo esse lado de cá. Que pena que 29 de setembro não foi dia 1º de abril.

    Folha de São Paulo
    Opinião - Rádio

    DANIEL PIMENTEL SLAVIERO
    TENDÊNCIAS/DEBATES

    TV aberta, a cabo e internet não mataram o rádio, que se adaptou. É preciso agora flexibilizar a "Voz do Brasil" e definir o padrão digital

    Um velho companheiro de milhões de brasileiros completou 90 anos. A 7 de setembro de 1922, um discurso do presidente Epitácio Pessoa, em comemoração ao centenário da independência, marcaria a primeira transmissão oficial de rádio no Brasil. Com equipamentos vindos especialmente dos EUA, o lançamento no Teatro Municipal do Rio de Janeiro teve um caráter experimental.

    A história do rádio no país começara na verdade em 1893, quando o sacerdote e cientista gaúcho Landell de Moura transmitiu um sinal de voz à distância, sem auxílio de fios. O padre se antecipou, assim, ao italiano Guglielmo Marconi, considerado no mundo o inventor do rádio.

    A primeira emissora, Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, só iria surgir em 1923, pela perseverança do médico e professor Roquette Pinto. Desde então, o rádio viveu tempos de dificuldades e de glórias. Os anos 1920 e 1930, marcados pela tecnologia precária, assinalam as primeiras concessões de canais e o início da publicidade na programação.

    O jornalismo no rádio, com o "Repórter Esso", a radionovela e programas de auditório embalam os anos 1940. A transmissão via satélite permite um salto tecnológico na década de 1960, quando é fundada a Abert, entidade que hoje representa 3 mil emissoras de rádio e TV.

    Chegam os anos 1970 e 1980, com o advento das emissoras FM. Na década de 1990, nasce o jornalismo 24 horas e são dados os primeiros passos na internet. Os anos 2000 tornam frenético o ritmo da inovação tecnológica. Os meios se digitalizam e a Abert começa a buscar o padrão que melhor se adapta ao nosso rádio.

    Nessas nove décadas, pela voz de milhares de comunicadores, o rádio participou das transformações do país, contou a história de seu povo e colaborou para o fortalecimento da identidade nacional e da democracia. Suas contribuições são inúmeras e fundamentais no campo econômico, social, político, cultural e educacional.

    Hoje, o rádio está presente em nove de cada dez domicílios. Todavia, não foram poucas as vezes que se anunciou a morte do rádio, com a chegada da televisão aberta, da TV por assinatura e da internet.

    Mas o rádio provou sua força, soube se adaptar e valorizar atributos como instantaneidade, interatividade, mobilidade e a proximidade com o cidadão. Eis seu grande diferencial: um conteúdo de qualidade produzido com credibilidade.

    O rádio ganhou aliados para expandir seu alcance, como o telefone celular, o iPod, o MP4 e o tablet. Das pessoas entre 12 e 75 anos, 8%, ou 4,2 milhões, escutaram rádio pela internet no último mês. O percentual vai a 11% entre jovens de 12 a 24 anos.

    Se, de um lado, a popularização da internet e das novas mídias amplia a concorrência, de outro temos certeza de que permitem que o rádio vá mais longe, conquiste mais ouvintes, atraia novos anunciantes.

    Há, porém, questões relevantes a serem resolvidas.

    Uma é a flexibilização da transmissão da "Voz do Brasil", programa que tem a sua importância, mas que não pode se manter como uma imposição a emissoras e ouvintes.

    Outra é a definição do padrão digital pelo Ministério das Comunicações, aguardada para este ano. E tão ou mais importante é a migração das rádios AM, afetadas por interferências crescentes, para a faixa de FM. A medida já está em estudo no Ministério das Comunicações.

    Enfim, neste dia 25 de setembro, Dia do Rádio, homenageamos com entusiasmo este meio de comunicação que rejuvenesce e se reinventa, capacitando-se a contribuir sempre para valorizar a cultura nacional, fortificar a cidadania e consolidar a democracia.

    DANIEL PIMENTEL SLAVIERO, 32, administrador de empresas, é presidente da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão)

    Gazeta do Povo - Curitiba
    Editorial - Imprensa

    O governo argentino quer saber o que pensam os cidadãos sobre a imprensa; teme-se que a pesquisa sirva de pretexto para novas restrições aos veículos de comunicação opositores

    Publicado em 22/09/2012

    Não é de hoje que a liberdade de imprensa vem passando por maus momentos na América Latina, resultado das pressões de governantes populistas para calar aqueles veículos que se atrevem a denunciar e criticar as mazelas de democracias de fachada no continente. Os exemplos mais gritantes vêm da Venezuela, Argentina, Equador e Bolívia, para citar apenas quatro países onde o jornalismo ético e independente está sendo reprimido à custa de ações do Estado. Emissoras de televisão e rádio são fechadas intempestivamente e medidas que visam controlar jornais são propostas pelos governos com o beneplácito de parlamentos subservientes aos soberanos de plantão.

    Contrariamente à truculência empregada por regimes ditatoriais num passado não muito distante, no presente os métodos para silenciar os meios de comunicação são mais sutis, ganhando até ares de legalidade, de modo a justificar os atos perante a opinião pública. É o caso da Venezuela, onde o regime bolivariano de Hugo Chávez conseguiu silenciar praticamente todos os veículos que ousavam criticar o governo, sobrando quase que exclusivamente aqueles que prestam loas ao ditador. Para tanto, o regime utiliza ações descabidas na Justiça, imposição de multas pesadíssimas, restrições econômicas e, por fim, o fechamento puro e simples do meio com base em artifícios legais, como ocorreu com a RCTV, uma das principais emissoras de televisão venezuelanas, em 2007.

    Um episódio que ilustra bem o cerceamento à liberdade de imprensa na Venezuela e, por extensão, atenta contra a própria democracia foi registrado há alguns dias, durante a campanha presidencial em curso no país. Quando fazia um pronunciamento pela televisão, o candidato oposicionista Henrique Caprilles teve a transmissão interrompida para que Chávez entrasse em rede nacional e passasse a discursar.

    Inspirados em Chávez, os presidentes da Argentina, Equador e Bolívia seguem pela mesma senda, investindo contra os veículos de comunicação. Uma das justificativas para as ações de censura é a de evitar supostos abusos cometidos por grupos jornalísticos interessados em desarticular os governos populares democraticamente eleitos na América Latina.

    Na Argentina, a presidente Cristina Kirchner vem travando uma quebra de braço com o grupo jornalístico Clarín, o mais influente do país. O jornal, que ousa criticar os desmandos presidenciais, já teve até edições inteiras impedidas de circular pela ação de sindicatos atrelados ao governo. Comprando apoio das torcidas organizadas, o governo conseguiu até mesmo tomar do grupo Clarín os direitos de transmissão do campeonato argentino de futebol. A mais recente medida de Cristina contra a imprensa não alinhada com o seu governo é a distribuição de um questionário à população, com a justificativa de avaliar o que pensam os argentinos sobre os meios de comunicação. A iniciativa vem sendo criticada por se enxergar nela uma manobra para a adoção de novas restrições à imprensa com base no resultado da pesquisa.

    No Brasil, a normalidade democrática garante o exercício pleno da liberdade de imprensa. Apesar disso, algumas ações isoladas, como a criação de conselhos de regulamentação da atividade jornalística, encontram eco em alguns setores do governo. À sociedade civil interessa, e muito, se informar sobre tais iniciativas e contestá-las. Um dos melhores argumentos em favor da imprensa livre é o julgamento do mensalão, atualmente em curso. O Brasil espera que a decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito do maior escândalo da história republicana do país seja um marco histórico, que represente o começo do fim de uma era de corrupção; uma revolução que seria impossível sem a participação da imprensa, que trouxe à luz o que tantos gostariam de manter oculto.

    Folha de São Paulo
    Poder - Imprensa

    JANIO DE FREITAS

    A liberdade de debate cultural, e mesmo religioso, não se confunde com a liberdade de pregar racismo

    O autor do filmeco e os extremistas da idolatria islamista deram-nos, a nós ocidentais, mais uma oportunidade de fazer o que não faremos: refletir sobre a liberdade de imprensa sem ideias prefixadas.

    O tema é dificílimo em dois sentidos. Por si mesmo, é claro, e pela resistência ainda intransponível à busca de sua conceituação sem interesses e sem hipocrisias.

    Não sou adepto da ideia de liberdade de imprensa plena: tenho convicção de que a imprensa não possui a liberdade de difundir o que ponha em risco pessoas inocentes. A decisão do semanário francês "Charlie Hebdo", de redobrar o ataque à intolerância do extremismo islamista, não foi defesa e afirmação do princípio da liberdade de imprensa.

    Foi provocação utilitária, com a qual os dirigentes e acionistas da publicação obtiveram, como poderiam esperar, resultado financeiro e promocional muito acima do seu histórico (a publicação esgotou em horas). Os editores de "Charlie" aliaram-se ao autor do filmeco de origem suspeita, causa do assassinato miseravelmente covarde do embaixador dos Estados Unidos em Benghazi, na Líbia que ele ajudou a livrar de Gaddafi.

    A edição anti-islamista de "Charlie Hebdo" não trouxe nem uma só contribuição positiva, por mínima que fosse, a não ser para o seu comando. Mas forçou o governo francês à humilhação de fechar suas embaixadas no mundo islâmico afora, para salvaguardar a vida de funcionários posta em risco pelas respostas à provocação do semanário.

    O argumento é admissível: ainda que em nome da vida inocente, a restrição à liberdade de imprensa plena pode abrir caminho a restrições por causas deploráveis. A que liberdade de imprensa, porém, se refere o argumento, eis o problema.

    Está sujeito à punição legal o jornalista que chamar de ladrão a quem não o é. Se punido pelo que fez, é porque não tinha a liberdade de fazê-lo. Abusou daquela que lhe foi concedida, mas concedida sob limitação legal -e quase sempre com desconsideração pelas especificidades do jornalismo, que ficam pendentes da sagacidade e da isenção do juiz.

    A liberdade de imprensa plena, parte da plena liberdade de expressão, é alimentada também por doses variáveis de hipocrisia. O governo dos Estados Unidos e a justiça da Califórnia disseram não agir contra o tal filmeco em respeito à liberdade de expressão. Mas só um tolo acreditará que, se em vez de Maomé, o filmeco retratasse do mesmo modo George W. Bush, por exemplo, o governo americano deixaria as cenas correndo o mundo pelo YouTube. E o autor isentado de processo.

    A França da "Charlie Hebdo" proibiu, judicialmente, as fotos do topless de Kate Middleton, mulher do príncipe William, e fez a polícia buscar os originais na revista "Closer" (cujo valor para a liberdade de imprensa é mensurável pela propriedade de Silvio Berlusconi).

    Jornalistas e "scholars" americanos, poucos embora, deixaram e ainda fazem trabalhos sobre a violação da Primeira Emenda, a da liberdade de imprensa na Constituição dos Estados Unidos, por medidas impostas pelo governo Bush a partir da derrubada das Torres Gêmeas. A própria história do 11 de Setembro ainda tem partes sob censura, como o ocorrido com o quarto avião, "caído".

    "A possibilidade de crítica ampla" e "manifestações que poderiam ser classificadas como provocação" relacionam-se de modo diferente com a liberdade de imprensa, sem paralelismo algum entre crítica e provocação -razão da discordância em que me situo diante do editorial "Subdesenvolvimento puro", da Folha de 21/9/12.

    A liberdade de crítica, de debate cultural, político ou científico, e mesmo religioso, não se confunde com a liberdade de pregar racismo, de incentivar arbitrariedades, de provocar impulsos criminosos. Aquelas práticas são a grandeza da imprensa. E as últimas, o lixo.

    Correio Braziliense
    Opinião - Liberdade de Expressão

    Publicação: 24/09/2012

    Intolerância rima com ignorância. Ambas as palavras se ajustam à ação e reação contra e a favor do Islã que se alastram mundo afora. O filme americano A inocência dos muçulmanos, publicado na internet, difama Maomé e, em consequência, ofende os seguidores do Corão. A película, de quinta qualidade, apresenta o profeta como ladrão, assassino, pedófilo. Temendo respostas violentas, o diretor se esconde atrás do pseudônimo Sam Bacile, cuja identidade ninguém conhece.

    Os protestos não tardaram. Voltou, com intensidade multiplicada, o sentimento antiamericano. Representações diplomáticas e centros culturais foram alvo de ataques e depredações. O embaixador dos Estados Unidos na Líbia perdeu a vida. Manifestações, com saldo de dezenas de mortos, tomaram as ruas de países muçulmanos. O medo se espalhou pelo Ocidente e acendeu o alerta vermelho sobretudo na União Europeia e nos Estados Unidos, que reforçaram a segurança interna e externa.

    Para acirrar mais os ânimos, a revista francesa Charlie Hebdo divulgou charges que satirizam Maomé. Publicação alemã promete segui-la. Os autores afirmaram que agiram em nome da liberdade de expressão — uma das principais conquistas da civilização ocidental e valor sem o qual inexiste democracia.

    A questão é extremamente delicada, sem dúvida. Ela põe em xeque os limites da liberdade de expressão. O secretário-geral da ONU, Ban-Ki-moon, manifestou-se em nome da organização. “A liberdade de expressão é direito inalienável que deve ser protegido, com a condição que não ofenda as crenças e os valores dos demais. Quando o faz, não pode ser protegido da mesma forma.”

    Maomé, para os muçulmanos, é o profeta de Deus. Ele, segundo o Islã, recebeu diretamente do Senhor a mensagem que originou o Corão — uma das joias literárias da humanidade. É merecedor de tal respeito que os seguidores consideram profanação representar-lhe a imagem. Pode-se ter uma tênue ideia, assim, da ofensa que as cenas e charges degradantes constituíram para milhões de homens e mulheres.

    Há seis anos, quando jornal dinamarquês publicou caricaturas do profeta e originou explosão de fúria muçulmana, o prêmio Nobel José Saramago afirmou: “Alguns dizem que a liberdade de expressão é direito absoluto, o único direito absoluto que existe. Mas a dura realidade impõe limites. Não se trata de autocensura, mas de usar o senso comum. Em situação como a que vivemos e conhecendo as polêmicas em torno do assunto, o senso comum nos diria o que fazer”.

    É em nome do senso comum que o mundo apela aos líderes religiosos e políticos do Islã para que peçam calma aos fiéis. E, se julgarem necessário, acionem a Justiça. A tarefa não é fácil. Mas se impõe em nome da convivência internacional.

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